teatro

nossos fracassos e o ridículo do mundo ou nossos ridículos e o fracasso do mundo

crítica de “Os Maus”, com direção e dramaturgia de Fernando Nitsch

foto de Juliana Smanio

Julho de 2014. O impensável acontece. Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete. A um. Talvez se fosse a zero seria menos emblemático. Mas não – um gol, um gol no final, quando já não valia mais nada. Um gol foi feito.

Ele não foi redentor; no final das contas, só deixou o placar mais sonoro: sétiaum. É com a narração deste ‘fatídico’ dia que somos recebidos no espaço cênico. Uma figura está na mesa, ouvindo. Ela derruba um dispositivo, tenta consertar, atrapalhada.

Em seguida, pouco a pouco somos apresentados aos Maus. Um patético e disfuncional grupo de extermínio – e nisso há uma dialética interessante: ao mesmo tempo em que é sabida a existência de diversos grupos desta natureza no Brasil, não há muito na imagem das figuras apresentadas que as insira no nosso país. Não fosse a narração do jogo de futebol, que já instaura um imaginário não apenas do fracasso, mas de um fracasso nacional, o estranhamento inicial seria ainda maior.

Não que o estranhamento não seja bem vindo: ao mesmo tempo que é difícil se identificar diretamente com essas figuras, seus motivos para estarem naquela situação podem gerar certa empatia.

A história se desenrola em uma igreja abandonada, com a forte presença da cruz no centro do cenário e repleta de bancos quebrados – bem como equipamentos de iluminação manejados pelos próprios personagens, já que estes gravam depoimentos de suas vítimas – e possui uma dramaturgia linear, com um arco dramático repleto de reviravoltas, que vai desde a amarração de pequenos acontecimentos que passam a ganhar sentidos maiores até grandes inversões de expectativas.

E o que acontece nesta igreja é, essencialmente, uma sanguinária ode à nossa patética situação; uma exposição profunda do ridículo e do ridículo da violência. Um thriller caótico e tarantinesco, com lutas, torturas, assassinatos e uma boa quantidade de sangue falso. Talvez seja delicado utilizar essa palavra para definir tudo isso que foi dito, e é aí que está o grande acerto do espetáculo: é divertido.

A linguagem da encenação faz com que tudo possa ser observado a partir da primeira sensação evocada: o 7×1. Estabelecido o patético do fracasso, tudo soma à esse questionamento – o que é vencer? Vencer na vida? Que competição é essa? Quem, no final das contas, está ganhando?

“Maus” não fica em cima do muro: seu discurso determina claramente seus alvos; sejam individuais ou estruturais, eles estão lá. Enquanto o discurso acaba, em algumas reviravoltas, se sobrepondo à encenação e é entregue ao público, não é o que acontece de modo geral.

E isso porque a moral não está em ninguém. Como o nome diz, o grupo de protagonistas são os Maus. Não há busca de redenção, processo civilizatório ou algo que o valha. O que está em jogo é a resolução e a satisfação instantânea de desejos profundos. É vingança, não revolução.

A vitória, desse modo, torna-se inconcebível: é um enfrentamento que não se daria. Um brinde ao fracasso do mundo.