teatro

fracasso, nossa inevitável catarse

crítica de “Teseu – uma rapsódia de momentos que não serão lembrados”, da Cia. Babuínos de Teatro

foto de Rafael Sampaio

Nascemos e seguimos rodopiando em círculos pelos labirintos que já estavam aqui quando chegamos. Essa odisseia vertiginosa chamada vida nos impele por caminhos que muitas vezes não fomos nós quem escolhemos; tampouco nos permite trilhar novas trilhas e criar novos começos.

É como se até mesmo os sonhos já nos fossem entregues pasteurizados, com seus fracassos inevitáveis muito bem localizados e previamente introduzidos, de forma que o sucesso passa a ser indesejável.

Nossos heróis trágicos, em busca da eternidade, sedimentam-se em estátuas que, ainda que expostas ao tempo se deteriorarão, projetam no tempo futuro uma imagem quase que inabalável.

O pensamento grego, fundante de grande parte de nossa cultura e organização ocidental – trazendo consigo profundos valores e grandes problemas – quase nos persegue. Seus mitos, que buscavam compreender e ensinar acerca dos fenômenos do mundo, ainda que elaborados dentro de um contexto específico, acabaram por universalizar-se e impregnam nosso imaginário até hoje.

Ah, o imaginário. Território último e basilar de disputas incessantes; sede definitiva do poder. Qual é o imaginário do nosso tempo? Qual é esse campo, de árduas batalhas diárias, na nossa juventude?

A Cia Babuínos de Teatro escolhe partir do mito de Teseu para levar o sonho à cena. O grupo de jovens atores, contemplado pelo edital de produção de primeiras obras do ProAC, traz para o espaço da Cia. do Feijão um espetáculo resultante de dois anos de pesquisas acerca do universo do mito em choque frontal com a contemporaneidade.

Em cena, cinco atores e uma atriz, todos na faixa dos vinte e poucos anos, interpretam figuras muito próximas do que são: jovens cujo objetivo é viver de arte. A diferença é a linguagem, já que as personagens são parte de uma banda. Os seis, talentosos e com brilho no olhar, revezam-se em diversos instrumentos na execução da trilha do espetáculo, parte importante da dramaturgia e quase em sua totalidade apresentada ao vivo.

Com estrutura narrativa e episódica, na intrincada e ágil dramaturgia de Rafaela Penteado, a encenação de Fernando Nitsch sobrepõe essencialmente duas camadas ficcionais: a jovem banda em processo de gravação de seu primeiro EP, que se submete às necessidades concretas da vida, em shows vazios e produção de jingles, e a história do rockstar Teseu e sua trajetória, do nascimento ao sucesso, em seus encontros com Ariadne, aqui, uma “ninfa do rock” em constante crise, os produtores Minos e Egeu, além do investidor Piteu e Pirito, um filho de Zeus que também busca a fama e o reconhecimento por sua arte – e não por sua filiação.

Apesar de repleto de analogias ao mito original e fazendo dele sua matéria de origem, não é a batalha de Teseu, auxiliado por Ariadne, contra o monstro do labirinto de Minos que é contada. Ao menos não da forma que estamos acostumados.

“Teseu – uma rapsódia de momentos que não serão lembrados” quase que retira a falha trágica das mãos do herói e a lança ao mundo. É a busca do próprio fracasso como única possibilidade ética num mundo onde é na queda que está a catarse. Um mundo cuja juventude cada vez mais busca romper com as tradições, mesmo que de forma abrupta e impensada; mesmo que se isentando de responsabilidades para com a manutenção da existência do mundo.

É como se não fosse mais possível enfrentar o sistema: nossos sonhos, cooptados, tornam-se mais uma mercadoria e nós, na busca do rompante que nos sepultaria à eternidade, acabaríamos por repetir os mesmos procedimentos em busca do sucesso – e o que vale o sucesso?

Nesse jogo de sucessos e fracassos, as camadas da encenação parecem variar de distância: se em um momento somos levados à tempos imemoriais do mito, em outros Teseu é o exemplo de sucesso que a banda quer seguir. Ao mesmo tempo que há uma amoralidade nessas figuras – essencialmente, nas do mito – também há um discurso muito bem posicionado da Cia. Babuínos quanto aos valores dos nossos tempos.

Ainda que, cercados por filhos e amigos de Zeus que tudo podem, acabemos nos deparando com um retrato desesperançoso, a figura de Ariadne, ainda que controversa e não compreendida em suas razões, nos lembra que o fracasso do indivíduo pode ser o indício de um início do caminho para o sucesso do coletivo.