cinema

garotos serão garotos?

crítica de “Anos 90” (“mid90s”), de Jonah Hill; disponível no Amazon Prime Video.

[texto com spoilers]

Nostalgia. O formato 3:4 e suas eventuais granulações na imagem, a trilha sonora, uma ensolarada Los Angeles e suas praças lotadas de skatistas: Anos 90 (mid90s, 2018), a estreia de Jonah Hill como roteirista e diretor, é um filme sobre amadurecimento que olha para a própria geração. Não por acaso, Hill tinha em 1996 a mesma idade de seu protagonista: 13 anos.

Stevie (Sunny Suljic) está entrando na adolescência. Em casa, apanha do irmão Ian (Lucas Hedges) e parece cada vez mais distante de sua mãe, Dabney (Katherine Waterston). Quando conhece um grupo de jovens skatistas e começa a — tentar — praticar o esporte, é como se a vida passasse a fazer sentido novamente.

Porém, Anos 90 trata o tema com uma importante sinceridade. Nessa descoberta de si, Stevie começa a fumar, beber e se drogar; é um caminho arriscado, pouco interessado no acerto e mais focado na experiência. A irresponsabilidade juvenil faz parte do amadurecimento — e essa é uma mensagem tratada sem leviandade pelo filme.

Na trilha sonora, clássicos do hip-hop da década de 90, além de músicas de Morrissey, Pixies e Nirvana. Além disso, o filme conta com composições originais de Trent Reznor e Atticus Ross que são verdadeiras camadas narrativas, não apenas desenhando a atmosfera das cenas mas conduzindo o olhar sobre elas.

No desajustado grupo de skatistas, Hill propõe uma multiculturalidade interessante: Ray (Na-kel Smith) é um jovem negro, focado na prática do esporte como possibilidade de carreira; seu melhor amigo é Porra-Louca (tradução divertida para o apelido Fuckshit, Olan Prenatt), que parece vir de uma família mais abastada do que a dos demais — é o único que dirige, além de demonstrar uma certa aversão à qualquer esforço e se interessar excessivamente por festas.

Ruben (Gio Galicia) é o mais novo do grupo até a chegada de Stevie; a mãe do jovem mexicano é uma usuária de drogas, violenta com ele. Quarta Série (Ryder McLaughlin), o único lido como branco além de Stevie — considerando o contexto norte-americano — , é apresentado como pouco inteligente e, mais adiante, descobrimos que sua família é extremamente pobre.

Na cena em que Ray fala sobre cada um deles para Stevie, é como se ali fosse proposto ao garoto que ele percebesse que todos têm suas batalhas e suas histórias; nem tudo é sobre nós — e muitas vezes, o contexto acaba por moldar boa parte de uma personalidade. Quando Quarta Série pergunta à Ray sobre queimaduras de sol em pessoas negras, ele não o faz por chacota, mas por ignorância. Quando Stevie responde o questionamento com a pergunta o que são pessoas negras? há um grande estranhamento — difícil entender se ele faz propositalmente uma piada ou é por sua inocência; por uma ingenuidade ligada ao entorno de sua criação.

Neste sentido, Anos 90 esboça um retrato importante acerca das fundações e manutenções da masculinidade, principalmente em adolescentes. Ruben afirma para Stevie que agradecer é coisa de veado. Ofensas de cunho homofóbicas são comuns ao longo de todo o filme.

Há a questão de constantemente se provar homem dentro do grupo. Enquanto é a ingenuidade de Stevie que garante o seu apelido de Queimadinho (Sunburn), é sua irresponsabilidade que o insere definitivamente naquele coletivo. Evidente que a ideia de agir de determinada maneira para sentir-se incluído ou fazer parte de algo não é exclusivamente masculina, mas é dentro da construção da virilidade que essas ações podem reverberar de maneiras mais violentas e tóxicas.

Porra-Louca bate com o skate na perna de Ian e, ao invés de se desculpar, o provoca. Stevie sente-se desafiado por Ruben no telhado e sofre seu primeiro acidente. Depois, como que disputando seu lugar no grupo, os dois garotos brigam feio. A violência machista também se apresenta, talvez de forma mais sutil: depois de sua iniciação sexual, onde Estee (Alexa Demie) havia afirmado que o protagonista era diferente dos outros caras, sua primeira atitude é ir contar para todos o que aconteceu.

Em uma cena posterior, vemos Stevie e Porra-Louca cumprimentando basicamente todos os homens presentes no espaço e ignorando totalmente as garotas. O filme escancara esse imaginário perigoso que segue ainda em voga de que homens não devem demonstrar — muito menos falar sobre — seus sentimentos; nem entre amigos e muito menos com as garotas.

Anos 90, porém, não é um filme de tese. É um filme de amadurecimento, com todas as contradições que isso traz. A atmosfera é leve, mas há sempre aquela fagulha prestes a se tornar incêndio no ar — seja nos enfrentamentos com a família, com os amigos ou até mesmo com as autoridades.

Também há o enfrentamento de si próprio. Após apanhar de Ian, Stevie se bate. Antes de roubar os 40 dólares de sua mãe, fere a própria coxa com uma escova. Depois de provocar seu irmão — e deixá-lo totalmente desconcertado — se asfixia com o cabo de um controle de Super Nintendo.

Há aí a sugestão de Hill acerca de uma possível depressão ou outra questão que o induza ao autoflagelo. Ao não estabelecer uma única questão como central no amadurecimento de Stevie, Anos 90 permite que a complexidade da adolescência se mantenha candente.

Quando Ian, com poucas palavras, fala sobre a sua infância e sobre como era a mãe deles antes de Stevie nascer, somos capazes de compreender que há traumas ali que moldaram a personalidade agressiva e anti-social do irmão. Curioso notar que o mesmo olhar não é lançado sobre Dabney: pouco sabemos sobre as dificuldades da mulher que luta para criar os dois homens.

Anos 90 foca nos homens, mas não para afirmar que garotos serão garotos e está tudo bem. Não há dedos apontados, mas também não há defesa dos atos irresponsáveis — ainda que, pela própria atmosfera do filme, haja uma certa comicidade em boa parte dos acontecimentos. São sonhos confusos, desejos incertos e uma busca por quem se quer ser. No final, o que importa na vida é estar onde nos sentimos acolhidos, seja em casa, na pista de skate ou mesmo em uma cama de hospital. O lugar é menos relevante do que quem está por perto para te ajudar a levantar.