destaque, teatro

mostra urgia #2: palavras num papel são tanto

texto a partir da programação do segundo dia da MOSTRA URGIA no Desterro (RJ). amilton de azevedo está na programação do evento.

Nos primeiros dias de dezembro de 2023, o Desterro ateliê, espaço cultural localizado na Glória, Rio de Janeiro, recebe a MOSTRA URGIA. O movimento da URGIA é capitaneado por João Ricardo e Lane Lopes, dramaturgos interessados em construir espaços de fala e escuta em torno de escritas em processo. Para a produção da mostra, ganham a companhia de Filipe Félix e Juliana Thiré, do Desterro, e de Gabriela Perigo, e ela “não acontece sem toda a galera que vem e volta nos encontros da URGIA”, como dizem na divulgação.

Fiz parte da programação de ontem, sábado, com palavra crítica palavra. Enquanto não estava apresentando, estava escrevendo. É uma experimentação com a Crítica Dentro, formato proposto por Ruy Filho na Antropositivo e já desenvolvido aqui na elaboração do texto sobre AGAMENON 12H e também em parte de escrita(s) em processo, exercício sobre o primeiro dia da MOSTRA URGIA.

As palavras que seguem, então, são muitas; o texto é longo e sem dúvidas não dá conta do tanto que foi e seguem sendo os dias no Desterro. Com exceção de um parágrafo dentro da parte sobre palavra crítica palavra, tudo abaixo foi escrito enquanto as ações ocorriam e passou apenas por uma simples revisão textual.

uma mesa e a necessidade de falar e falar e ter alguém pra ouvir

pouco depois das 15h30

faz calor no rio e o Desterro é uma delícia. hoje a programação é extensa e as pessoas devem ir e vir de acordo com seus interesses. o primeiro bate-papo atrasa 35 minutos e começamos em poucos para ouvir a URGIA e o Desterro. “fazer o que com o que estamos fazendo”, com mediação de Caio Riscado.

Juliana e Filipe sobre o Desterro, espaço e território dos piquetes e da MOSTRA URGIA, representada por João e Lane.

as grandes perguntas que não são retóricas, aponta Caio, algo que mobilize respostas em torno do que realmente interessa, pautadas de fato por um não-saber. mas antes, apresentações e contextualizações.

então é natal e o que você fez e o que estamos fazendo é como Juliana começa. movida e convidando ao silêncio e ao olhar; a contemplação parece um modo interessante de apresentar o Desterro. habitar o que não é dito mas que ressoa. o peso da palavra. em todos os sentidos mas nesse nome escolhido.

mostra; amostra; mostrar. e também despedir-se, finalizar um ciclo, celebrar um período e os marcos e os tempos e o que se tem feito – “o que que eu tenho pra mostrar”.

“o Desterro abriu mascarado” e os dois anos e o que foram esses dois anos e tudo que aconteceu e os novos sustos e imprevisibilidades.

textos escritos e a planta do antigo Desterro, no centro. “o que você pensa quando vê a palavra cena?”. cena, skene, techne, penso nessas palavras e nesses que vieram antes e no que se fez e se faz como procedimento dispositivo invenção criação e tudo que pode ainda se fazer e aquilo que ainda não foi feito e o que estamos fazendo nós? produzir é dar a ver, lembro de Byung-Chul Han falando algo assim. mostrar.

operação. “a criatividade é perigosa”. operação, necessidade. algo de muito concreto muito literal nessa busca não de esculpir mas talvez efetivamente perfurar o simbólico.

“pedidos de qualquer coisa” e então ela fala de um manjericão e me lembro de novo de Jota Mombaça que sempre ecoa, a carta dela para Castiel, “um manjericão roxo” e que não importa o significado das imagens, mas sim os sussurros, uma conversa que está no ilegível e enquanto escrevo Juliana fala do Bar do Gatão e como ali, estar ali, talvez tenha dito mais sobre aquele lugar – não físico, não geográfico, mas do que é o território onde o Desterro primeiro se instalou. o que habita o invisível, as frestas que se anunciam quando estamos com o olhar atento o peito aberto e é assim que o acontecimento pode… acontecer.

o nome do espaço nasce de uma peça chamada desterro. e um grupo de pessoas “com três peças entaladas e sem lugar pra fazer”. como as coisas nascem. e os diálogos como se dão entre acasos [e João fala coincidências].

porra, um projeto é muito. um movimento pode ser espontâneo, orgânico, mas há de se olhar com esmero para ler ali as linhagens todas e perceber que é sempre um legado a ser inventado e tudo que cerca algo que é vivo.

“estar é uma coisa avassaladora” / “vida é o que há de inédito”.

todo encontro é potência inédita de avassalamento talvez não sei se é bem por aí talvez eu esteja acumulando também palavras do momento e pensando que elas podem garantir algum efeito a quem lê como se elas por si pudessem dizer mas não me interessam afirmações categóricas aliás não me interessam afirmações. e essa conversa com certeza não está nesse lugar mas sim do compartilhamento de uma trajetória ou travessia que se pode observar nessa mirada em retrospectiva a partir do que se fez e é isso, é assim que se pode seguir fazendo e entender o que se faz e propor o que fazer daqui pra trás [e eu sempre cito o nome dessa obra cujo encenador português agora me esqueci do nome, talvez João Fiadeiro – é isso mesmo eu confirmei agora] esse daqui pra trás e daqui pra frente e elidir cronologias.

“a gente sempre se fere na correria”. e passa um gato enquanto Juliana fala e ouço Gabriela Perigo ralando cenoura para preparar sanduíches e de repente não parece possível que haja pressa e que vivamos na pressa pois por mais que saibamos que sim, é óbvio que estamos sempre com pressa e é isso o mundo, agora, aqui, a bandeira Desterro segue em balanço com o vento e um de seus suportes de madeira está quase caindo, e estamos ouvindo e falando e ela pede desculpas por se demorar mas que se possa sim se demorar é na verdade talvez o que mais urge: se demorar, sim, nos darmos todes esses tempos tantos onde o território é desses de alargamentos demoras suspensões preenchidas de ação do não-dito não-visto. Filipe percebe a madeira quase caindo da flâmula, retira e quando olho pra ele ele cheira uma flor de plástico com uma curiosidade bonita.

“você acha brechas para se vazar um pouco”. diante das condições materiais. e eu parei pra apenas ouvir o que Juliana lia sobre Keila Brasil e sua performance interrompida diante do transfake em Lisboa. “o teatro vai ser sempre esse fiapo de coisa interrompível, parecido com a democracia e tal”. interromper não é dar fim, talvez seja propor novo começo. a falência da representação é também brecha para que se vazem novas possibilidades.

essa minha escrita é também um exercício de atenção flutuante onde escuto olho e nem sempre busco ou encontro palavras.

condições materiais e desejos essas duas linhas paralelas que porventura fazem uma curva e se cruzam.

João: “uma tentativa falha”. os desejos e os movimentos da urgia e na direção da mostra. e o desejo de não falar do desconforto mas de outros movimentos; distâncias. tentativas de se aproximar desse chão e o chão como o centro do Desterro conforme Juliana disse – e processo como centro da URGIA na visão dela.

desejo de cena.

os contextos que nos movem. o isolamento foi mola e combustível para muito e não digo isso como algo positivo mas apenas uma constatação. os mecanismos dispositivos procedimentos operações que ali desenvolvemos de nós com nós mesmos ou com outros

e alguém na porta diz “vamos entender esse espaço” numa chegada barulhenta e assim se compõem outras leituras outros significantes e chegam pessoas e também o jabuti segue passeando e a vida sempre vence lembrei da música do Emicida que na verdade não tem nada a ver com o que o João está falando nesse momento mas é essa beleza rizomática, que se espalha, que não se contorna com precisão. além dos sussurros o que nos escapa também talvez seja o que mais interessa.

“muito diferente daquele impulso inicial, mas é assim que as coisas se transformam até virar realidade”. um texto que assombra aquela pessoa que o escreve. fazer da fantasmagoria aproximações; presentificar como combate à sensação de ausência que na verdade não há pois estamos aqui.

o Desterro é vizinho do João. as condições materiais e os movimentos desejantes. paralelas que se cruzam, sim, insistem em se cruzar.

o nome que traduz a forma das coisas acontecerem. esse encontro URGIA acontecer por uma série de fatores motivos contextos.

desejo é falta. a carência de ouvir. de ouvir fragilidades, de ouvir o incerto, o incompleto; essencialmente uns aos outros outras outres. assumir o que urge nas subjetividades das pessoas criadoras das pessoas que escrevem que desejam ser lidas para ouvir para se ouvir e para olhar ser olhado lidar com a processualidade.

“dramaturgia é ficção”

piquete espaço de ação enquanto corte do regime de trabalho para dar voz às demandas e mobilizações. porque processo porque criação porque tudo hoje é trabalho é o mundo do trabalho onde habitamos e é necessário lembrar reforçar reiterar que o debate é também sobre trabalho sobre possibilidades oportunidades e condições de trabalho.

os jabutis. a oferenda de verduras escuras. oferenda é crença respeito expectativa de devir. a imagem da pilha de cadáveres de jabutis na conversa de João com Juliana e por isso a oferenda e eu também lembro dos ossos de Miriam que ouvimos ontem.

a dramaturgia – que não está no jabuti – e a observação sobre ela lançada como processo no sentido de ETAPA de algo que é passagem de algo que só existe como passo anterior a; cujo valor só se encontra no momento da encenação. a leitura nos piquetes a leitura dentro da URGIA é processo no sentido de construção que roda em torno de si próprio “a palavra agindo”.

a “falta de lugar” a “falta de chão” nisso que o movimento vem fazendo a dramaturgia talvez seja mesmo vista grosso modo como lugar de trânsito onde o texto só se consolida como obra quando da encenação esse texto como um não-lugar uma não-obra então como criar esse território da paalvra projetada lida vista ouvida cantada gritada sussurrada essencialmente escutada escutada escutada e lida e ela em si ação ação ação.

criar mitos de origem. fabular o que se lança ao mundo.

[que nasce como um “briefing” aponta Lane]

diante das acelerações, parar. interromper. jabutis, papeis, árvores que caem. imaginar passados desejosos e apontar os fracassos mesmo quando fabulações cosmogônicas; nascer de carcaças mortas “mas os jabutis vivem muito”.

papel esse mito distante o desaparecimento do analógico.

Lane e a carência mais uma vez daquilo dos vínculos que nos preenchem nos dão sentido e que quase que invariavelmente se desfazem no mundo do trabalho.

o paradoxo da urgência e da desaceleração. é uma contradição em termos porque o que urge não se apressa apenas é emerge se coloca mas em seu tempo sem que se corra.

urgia-ideia e urgia-espaço parecem uma coisa uma não que não possa vir a ser outra mas realmente é o Desterro que aterra. passos de jabuti pés no chão “passos para dentro” e de novo ecoa Miriam a ideia de partir pra onde se está

condições materiais e condições poéticas atreladas. paralelismos que se cruzam.

“são quarenta pessoas tomando cerveja em silêncio” diz Juliana e de novo lembro da beleza e da raridade que é isso hoje e que bom. que bom que bom que existem essas possibilidades.

nomear. agradecer. fazer ressoar no espaço todos os nomes das pessoas envolvidas. dizer para o vento, dizer para o chão, dizer para jabutis vivos e mortos dizer para o desterro dizer para nós dizer para o tempo dizer para o futuro dizer para o agora dizer, dizer, dizer, dizer.

palavras num papel são tanto.

e depois do muito já dito Caio Riscado atua como um mediador que costura e percebe o que já foi respondido daquilo que poderia ser perguntado e evoca Ana Paes falando de cumplicidade – na dramaturgia; mas isso me toca profundamente no pensar da crítica e na realidade no pensar em torno de toda e qualquer proposição de construir vínculos, em arte mas não só. construir cumplicidade no encontro.

“micromicromicrorevoluções”. e o contexto geracional e o que são os encontros e quais são as referências e a partir disso quais são os imaginários as poéticas as estéticas os efeitos.

e as perguntas de Caio em torno da relação do texto com essa necessidade essa pretensão essa possibilidade essa projeção de cena; “ler teatro é imaginar teatro?”

o bom problema da autonomia da independência do texto e como se pode escorar nela pra que não se encarem muitas muitas muitas questões

ler uma dramaturgia.

autonomia da palavra. autonomia da performance. dois lugares e seus cruzamentos. dramaturgia. localizar o não-lugar. criar um lugar. fazer dele casa, lar, círculo de disputa de debate de exposição de experimentação.

“uma cumplicidade pedagógica do encontro” disse o Caio.

Não pisar descalça em tapete, de Maria Isabel Iorio

tem algo de divertido nesse tipo de evento onde tudo vai meio que se desenhando da forma possível e diante de quem se senta e encontra lugares pra assistir e então já vai assistindo algo que ainda não é a obra mas acaba por tornar-se algo de obra nessa investida de teatralidade

não que isso vá contaminar uma leitura mas sem dúvida é uma atração inesperada uma construção estranha.

o tempo da espera o tempo da expectativa e nada disse que estamos prestes a mas ainda assim estamos aqui e forma-se algo de um silêncio coletivo de uma convenção de público de um foco de atenção.

e subitamente então começa e na verdade estávamos mesmos prestes a então há algo de um movimento enquanto algo se acomoda alguém tropeça e a leitura já começou e um personagem é quem diz sobre si sobre o autor sobre

“gesto bonito de abrir um livro” é então uma mensagem direta ao leitor àquela ou àquele que lê escuta vê imagina

sem a projeção do texto a leitura torna-se algo de outra qualidade, uma autonomia outra que se cobra que se estabelece que se institui nesse falar com luz microfone uma mise-em-scene se é que se pode pensar em encenação quando tudo no fundo é palavra palavra palavra descrição palavra ação palavra mensagem palavra

uma descrição de um porvir o livro a ser escrito é o livro sendo lido? não sei talvez não saiba ou eu talvez não tenha entendido

quando a palavra é o centro qual é a fronteira entre dramaturgia e outras formas? o que se conceitua, o que se autoproclama, o que se demanda.

introdução

introdução

introdução

Juliana serve café para ator e atriz. trabalho, trabalhadores. há de se observar com carinho esse dado do cotidiano, do labor, do que vamos lá e fazemos, cumprimos demandas; não na lógica do mundo do capital e essa tremenda engrenagem, mas de fato de uma função. é trabalho e pensar nisso enquanto processo é também reconhecer que há labuta há dificuldade há repetição há insistência.

então na dramaturgia lida surge um metateatro e várias vozes surgem em uma e já não sei bem quem fala ou na verdade foram só citações breves e pontuais de um vozerio de uma sala de ensaio ou algo que o valha

e alguém se suicidou mas ainda seguem existindo personagens e invenção de personagens.

barulhos dos cascos no portão enquanto mais cerveja chega e é um lembrete disso da vida e dessa complexidade mas que é também tão simples. quarenta pessoas tomando cerveja em silêncio alguém disse durante a mesa e vejo a chama de um isqueiro e alguém fuma e a vida acontece alguém filma fotografa.

enquanto isso uma família é apresentada e há uma irmã Odete e ela não volta mais para um lugar e penso em minha tia avó e no livro escrito pela minha mãe [Odete inventa o mar] e é isso, escutar algo criado por outrem é ser lançado para si mesmo e criar vórtices absolutamente particulares, impossíveis de dimensionar e de partilhar ainda mais ao se pensar na intencionalidade.

introdução

introdução

e quem é o narrador o narrador questiona o narrador o narrador se questiona

olho para a bandeira do Desterro que pelo vento preendeu-se no próprio fio e esse emaranhado que sinto ouvindo esse texto essas voltas e voltas introdução e julia e lucia e introdução e um suicídio e introdução e a flâmula suspensa imóvel capítulo um

capítulo um. o filho e o pai tem o mesmo nome e a bandeira está no fio e em um galho emaranha-se presa na própria teia.

e então a repetição dos nomes e novamente eu, amilton como meu pai, amiltinho na infância e ainda hoje miltin. nada mais dessa dramaturgia me diz respeito, assim, diretamente, não há nada ali da minha história mas esses pequenos momentos – paralelismos que de repente se cruzam – parecem maiores do que são, mais do que incidentes, acasos, coincidências, colaterais…

[fico um tempo sem escrever, me percebo desconectado da dramaturgia, um tanto perdido nas idas e vindas entre personagens suas descrições e etc.]

quais as relações que se constroem em formas que prescindem de diálogo? descrição narração sociabilidade subjetividade. por outro lado, separabilidade.

nem toda circularidade é espiral; capítulo um. contra o desenvolvimento, acontecimentos que se sucedem, mas ainda capítulo um, capítulo um, introdução e o que há pra depois disso [e dessa vez eu escrevi introdução antes da voz anunciando-a mais uma vez]

o presente de vó uma nota o dinheiro e a identificação e todos riem e a identificação deste comezinho há uma cumplicidade construída neste jogo – ainda que não pareça ser essa a intenção central da obra.

uma camisa feita de caixa de Marlboro e ela só diz “VOCÊ” e olho para a atriz e ela fuma.

lá estão diálogos feitos em uma só voz como se dois narradores e tudo que os habita

olho para a cena e vejo que é simples concluir que a luz é uma necessidade para a leitura noturna mas aí vejo os microfones e aí não há necessidade e então tudo deve ser de fato escolha então penso nas mudanças de lugar abrindo a cena colocando-se um diante do outro ainda que não se percebam não criem relação – escrevo isso e então ela sorri para ele e há sim uma relação entre os dois e talvez já antes houvesse mas por não estar de frente eu não estivesse observando esse dado expressivo.

agora fico imaginando se ele reage ao que ela diz pois só vejo suas costas e uma parte pequena lateral de seu rosto.

tempo. tempo da ação do texto tempo das ações reais.

ela diz como se falasse com ele às vezes

há diálogo sim há diálogo na constituição do texto mas o diálogo se desenha de uma forma diferenta um diálogo projetado em interlocutor um diálogo solitário vozes que não respondem mas uma conversa. sim, conversas.

uma água-viva que não pode morrer se não for despedaçada.

“todo vigilante pisca”. não se pode nunca ver um outro o tempo todo. o fugidio.

e é mesmo uma caixinha de música sendo operada ali o analógico é sempre um mimo um destaque algo inesperado.

brincar de construir mundos.

capítulo dois

outra voz surge na leitura

uma bailarina presa na caixinha

“a caixinha é um caixão” e como uma construção simples faz tanto. “eu só queria pedir silêncio”.

então outra voz agora uma que não está aqui agora só resta ouvir não há o que olhar o que ver o que inferir dessa materialidade da presença.

dentro d’água nem existe a morte

não sei muito mais o que dizer além de dizer da morte e desse emaranhado do vento que parou e essas vidas que me perdi entre nomes descrições lugares e gestos.

escrita ao vivo as que escrevem as que leem os que fazem

e antes de começar penso que as dramaturgas estão presentes mas estão ausentes; atrás do telão não as vemos enquanto seguem no movimento de escrita.

um headstart de meia hora que Lane e Julia tiveram pra começar a delinear uma dramaturgia criada em ação as que escrevem os que leem os que fazem e simultaneidades possíveis o que se pode sobrepor em tempo presente.

duas dramaturgas, duas leitoras, dois atores (ou performers ou improvisadores ou). penso que vai ser divertido.

e uma pausa para o anúncio do financiamento coletivo de A história do mal, de João e Rapha: https://benfeitoria.com/projeto/ahistoriadomal

João contextualiza as doze mãos e os seis corpos e ele ergue a cortina e revela as dramaturgas presentes.

o escrito o lido e o reagido e no momento que a leitura chegar onde já está se seguirá até um final sabe-se lá que final é esse.

Jorge e Filipe vão à sauna e eles então se movem e param e reagem a pequenas notas que nem dizem respeito a eles e há algo de um humor indesviável transbordando pelo texto e os dois navegam por aí nas ações cotidianas

uma reação de algo do improviso prazer e desconforto e um naturalismo performativo

eles suam, eles suam, mas representam o performativo está no risco mas a ação é representativa e o texto escrito é pensado sabendo que dois atores com os nomes dados `às personagens irão reagir ao vivo àquilo e é necessário que gestos sejam traduzíveis; sauna por exemplo já é um símbolo de muita coisa entre virilidade e homoafetividade, das performances de gênero e sexualidade.

homens que se olham se veem se mostram e uma sauna um suor nem sempre é sexo

mas sempre talvez seja é sempre sexo mesmo quando não

a comparação e a piada do esforço que se faz pra manutenção da normatividade

o dado de gênero na ação; duas dramaturgas, duas leitoras, dois atores. um exemplo da possibilidade do perfurar enquanto operação cênica, fazer da contradição ato destrutivo da norma.

saunas e praias e espaços e olhares e os lugares

se chega ao fim do texto e agora vai se vendo o que fazer nesse ato impossível de uma criação caminhar na mesma velocidade da fruição.

uma pinta na praia.

dar pinta ser pinta e o desafio do fazer nessa construção veloz veroz algo que se começa sem saber de onde e vai desaguar em sabe-se lá o que.

a ação da palavra que se escreve e qual palavra produz ação e quais as ações que decolam dessa escrita.

agora parecem não mais os personagens conversando mas sim as leitoras uma inversão de gênero nas expectativas nas atmosferas que se desenhavam e o cataclisma climática como uma filosofia apocalíptica em torno do futuro de empreendimentos como saunas.

fazer e fazer e fazer na busca do diálogo que mobilize a ação; seria necessário implodir a representação pra que os que fazem encontrassem camadas novas especialmente no momento em que se alcança o ao vivo e o diálogo se torna embate de ideias

então um mote, me preparando para o fim do mundo diz a dramaturgia mas então logo se volta à fala silenciosa ao gesto que emula o dizer.

tempos de reação mais-que-escassos; há de se encarar na dimensão da brincadeira, do disparador não ingênuo mas daquele que patina sobre gelo fino como diz Baumann onde a velocidade é mais importante que a profundidade e disso pode-se nascer muitas outras coisas histórias situações. – é o tipo de ação cuja repetição e continuidade pode decantar enquanto metodologia de pesquisa e criação

de repente narra-se um eles e o drama é épico e se fala da ação na terceira pessoa e comentário é ação e o olhar muda seu foco em distâncias e proximidades

brincar com o como ler as frases! e o como isso significa evidentemente e vai rebater naqueles que fazem.

as pintas dar pinta eles que fazem não serem eles diretamente

a sauna a sauna a sauna a sauna e elas elas eles

quem escreve também lê quem lê também faz quem faz também escreve

inscrições várias

e dançar a metáfora da pinta metáfora do fim do mundo metáfora da hot yoga // enormes e insignificantes e pra onde ir. dar pinta ser pinta cair pinta

a queda e no fundo sim é sempre sexo mesmo quando tudo queima

aleito rmx, de Lane Lopes, com Paula Furtado

um espaço outro que se apresenta no desterro durante a mostra; um canto uma mesa fotos flores leite papel papel papel arranjos de algo vamos ver

experimentar algumas coisas e como olhar pra um material que já foi encenação e volta a ser texto em outro contexto em outros arranjos.

estar perto e ver a respiração de Paula Furtado enquanto ela observa todo o público entre calmaria e nervosismo. já vi a obra já escrevi sobre ela mas agora será outra mas ainda assim aquele texto aquele mecanismo de Lane da escrita do Alzheimer como dispositivo de escrita e não como tema.

dos objetos e das narrativas que eles contam dos barulhos de geladeira e as expectativas antropomórficas lançadas sobre elas. uma geladeira uma televisão e as características que se lançam sobre elas ainda que nada disso de fato faça sentido ou seja uma lógica já se instaura assim nessas expectativas que são de outra ordem eletrodoméstica.

da distinção de eletrodomésticos com precisão às confusões entre viagens e filhos e datas e guerras e boletos e aos poucos então já se anuncia algo do esquecimento mas talvez isso aconteça por eu já conhecer o trabalho? ou se coloca como implícito isso tudo?

assertiva em certezas e será que há garantias?

o barulho da dramaturgia o barulho da Glória as pausas um domínio da atriz sobre um texto já tão trabalhado e como então será que há como despensar; esquecer, refazer, outra coisa outro tudo ainda é aquilo ainda é o feito ainda é o que se com tanto esmero e dificuldade se criou. o volume no 24 e os pés dela apoiados apenas no calcanhar enquanto prescruta memória imaginação e espaço.

o jogo de ações fazer então neste rmx neste remix algo vazar desse leite do estragado do que está bom do que alimenta o vaso de flores sobre a mesa.

ter medo de tudo. de tudo que talvez exista de tudo que não sabemos o que há

e aí a dramaturgia diz “mulher tem medo de tudo”. rezar pra uma barata ir embora; rezo é repetição é insistência é mantra transe não sei se

aleito rmx é possivelmente a maior distância do texto, da palavra como matéria única, vista dentro da mostra urgia. Paula é a personagem, de modo mais “refinado” (que palavra horrorosa, vou deixar aqui só porque escrevi ela, de modo mais destrinchado, talvez, a palavra também não é boa mas é isso no sentido de um trabalho que já se debruçou nas intenções e tempos de cada frase de Lane alguém que conhece, conhece e agora constrói essa performance entre texto corpo voz composição

vínculos impossíveis com uma vaca. leite, troca. azedo.

Alfredo que presença asquerosa que presença estranha esse passado mofado mas cheiroso será que existe ainda um Alfredo tudo aponta que sim eu que já estou fabulando a partir dessa dramaturgia do esquecimento que se costura impensada bem alinhavada não que eu esteja certo mas. Alfredo sempre existe, sim.

então eu fui Alfredo acusado de não limpar meus pés de convidar muitos para a casa mas ao menos sou lembrado que há pão.

um gesto. não sei se era cachaça ou água naquele copo mas no vaso é leite. ela bebe ela baba tudo vaza tudo transborda um gesto performativo e o leite estava azedo que leite é esse alimento da flores agora alimento dela e o texto em mãos e uma trilha e encontrar dos trechos um remix um remix um remix um remix. que bonito é o estranhamento e quando se desloca um olhar sobre aquilo que se vê.

a dona Sonia ela diz e na hora penso na minha mãe e como cada história se conecta conosco e com quem somos de modos completamente aleatórios.

[e depois de seis horas de evento ou algo assim ainda se pode sustentar um silêncio de uma coletividade temporária atenta e interessada]

“como cê tá bonito meu filho” ouço essa frase e suspiro por uma beleza como que insuspeita dela; memória é vida talvez porque não há vida sem vínculo não há vínculo sem reconhecimento não há reconhecimento sem memória portanto

“além de vocês” e de repente estamos aqui com ela sem nenhuma dúvida para além de um olhar de uma pergunta daquelas que não espera resposta; uma nova convenção

“eu não tenho medo” e cantarolo mentalmente “nunca tenha medo / do seu inimigo” com o “tchiquidundun tchiquidundun”

impressiona (não sei o quanto essa palavra pode significar) a curva súbita do texto de Lane. [acaba de tocar uma campainha e Paula diz “tem alguém aqui” e não dá pra não levar isso em consideração na fruição]. e então entendemos quase-que-tudo e nem importa aqui dizer o que é que há no cerne deste aleito.

a liberdade do remix da experimentação realmente trouxe à aleito novas cores e paisagens, tessituras finas que se pode acompanhar como quem não sei talvez ordenhe uma vaca sem os sobressaltos do risco do empedrar nem do azedar – o tempo justo.

o tempo justo.

a justeza.

“e um abraço doce”.

uma homenagem às mulheres que vieram antes de nós e revelar pesquisa e palavras-chave e imagens e imagens e imagens e imagens e imagens.ver rostos pois são vidas.

alguma coisa que se pode apontar sobre o que eu mesmo fiz em palavra crítica palavra

processo foi uma palavra que não surgiu

ao mesmo tempo que ele em si é dar a ver o processo

compartilho aqui as respostas construídas no momento da apresentação; também um parágrafo, um dos parágrafos finais de meu texto, que Juliana Thiré comentou “que lindo isso” e então eu reli mas não reli inteiro:

eu me coloco diante de uma obra artística da mesma forma que diante de uma árvore e tudo que ali vive. não quero gostar ou desgostar de nada. o Ailton Krenak, olha eu voltando a citar outras pessoas, tem uma frase que é a vida é fruição. gosto tanto dessa imagem. o agir vem depois. as palavras vêm pra tentar organizar a fruição. compartilhar ela. e aí alguma hora ela também cria, e essa criação vira uma fruição outra, e assim a gente segue criando e sendo criado, fruindo e sendo fruído. nem sei se essa palavra existe, acho que sim porque não apareceu um tracinho embaixo aqui no docs.

o nome do arquivo onde escrevia as perguntas e respostas era não-saber juntes. aqui o que foi feito:

vocês, que leem crítica, o que esperam de uma?

provocação

uma parada que eu não tinha sacado quando eu assisti

abertura de novos sentidos

contexto

treta

referências

opinião

humildade

a que serve a crítica?

à obra

à performance

performance

à quem vê

à quem escreve

afinal, o que é a crítica?

registro

uma cutucada

depoimento

ponto de vista

testemunho

palavra

uma opinião

reiteração

política

jabá

se a gente aprende por imitação, quando nossas palavras se tornar de fato nossas?

se tornam?

antes de se tornarem palavras

decisão

calma aí

um tempo.

[risos]

experiência, talvez

articulação

quando dizemos

a gente só escolhe a ordem

compromisso

em análise

quando a gente fala

quando roubamos

quando bebemos

quando elas existem

pode fumar aqui?

[pode]

quando a gente se identifica e rouba

quando a gente se apropria

quando a gente se atreve

quando a gente modela

quando a gente pondera

quando a gente modula

quando é a gente

quando alguém lembra que a gente falou

[e a gente fez poesia concreta]

quando a gente repete até parecer

tipo quando… num hábito que a gente tem que as pessoas reconhecem: isso é tão você.

quando a gente repete e então repete e repete

quando a gente repete

[…]

quando a gente repete

o repetir tem que ser reconhecido

quais palavras de hoje, de ontem, da mostra, de amanhã, permanecem em nós?

geladeira

lane lopes

cumplicidade

baliza

pinta

sauna

troco

churrasco

ossos

jabuti

fracasso

qr code

desterro

pix

cerveja

fichinha

banheiro

palavra

cracudinha/cascudinhabarracracudinha

articulação

vontade

boca

língua

porosidade

filipe e ju

jabuti

vibe

amilton de azevedo

isqueiro

urgia

salada

banquete

ator

mostra

macarrão de beterraba

bandeira

tudooo

despedida

glória

olhos cheios d’água

o uber tá muito caro

cade minha bucetinha

atrasou pra caralho

muito bom

[palmas]

mas foi foda

mas foi foda

sobre amanhã já é saudade

aqui é rio não é Disney

está até adiantado considerando o atraso carioca

ainda tem empadão?

me falaram que acabou

boa noite

outra atividade

sino toca

badalar blim blim blim

luzes

primeira chamada

com quais palavras

com quantas palavras

como com palavras

fazer uma crítica que pode também ser obra outra?

palestra-performance

forjar

total

postura

as próprias palavras da obra uma

intento

desejo

e não só, compromisso.

o que não vimos…

tipo, pra se tornar uma outra obra, assim, tá, a crítica do que se vê e a crítica sobre o que não se vê, seila.

tesão

em coletivo

as coisas sempre são outras.

declarou.

a vida é fruição?

simnão

também

sim

socorro

socorro.

quando dá, pô.

quando dá é.

a gente tenta.

práxis revolucionária brasileira, de Yan Nery

peça radiofônica

“se houvesse um golpe militar, você pegaria em armas?” e o momento da pandemia e de Bolsonaro e o que estava acontecendo e poderia vir a acontecer

o que restou de um país pelo qual tanto se combateu e o que ele virou e o que seria feito se se soubesse que é isso que dele restaria será que se lutaria da mesma forma será que se morreria da mesma forma

a forma peça-radiofônica e como a palavra faz vibrar

primazia da palavra quando escutada mas tudo que se constrói enquanto ambiente e como a palavra em si é moldada modulada feitarefeita

o que a trilha faz o que a trilha é o que palavra em si significa

a palavra relampejar numa peça radiofônica.

é sobre a palavra, mesmo, profundamente sobre a palavra.

no rádio respiração pode ser tanto quando não se vê um corpo onde habita o pulmão

“é bonito morrer em português” eu acho que isso é uma citação “morrer em português é uma merda” parece mesmo mais adequado ao que se desfaz em constante pequenas tentativas e grandes erros,

a perspectiva de uma obra editada e costurada enquanto radiofônica carrega uma potência outra radicalmente distinta apenas daquela que entende dramaturgia meramente como palavra e eu usei meramente mas já me arrependo porque palavra é muito mas quero dizer tudo que pode circundar uma palavra dita uma trilha uma sonoplastia um tiro uma explosão uma sirene uma porta esmurrada e Yan evocou Marighella e quando alguém toma tiros penso sim que é ele é ele o exemplo que ficou da práxis revolucionária brasileira uma imagem um busto uma estátua “os ossos são o avesso de uma estátua” Miriam disse ontem e a realidade brasileira é o avesso de um legado combativo ou seremos nós que olhamos para trás pensando no feito de outras gerações e lendo o passado com os olhos de hoje numa espécie de anti-nostalgia ou nostalgia total de um tempo onde se era convocado profundamente à ação mas talvez a questão levantada aqui seja precisamente se algo nos faria ser convocado novamente à ação no hoje que corre pis vivemos tanto suportamos tanto e ainda assim só seguimos em nossas vidas comezinhas será que eu devia egar em armas minha mãe fala de quando ela pensou nisso pois amigos estavam pegando em armas isso é os amigos que não sumiram e porra como que é colocar a vida à serviço de

a vida à serviço de. de um país de um sonho de um desejo de um futuro será que alguém vive uma vida que não é à serviço de algo????? do mais egóico ao mais altruísta à serviço de si mesmo à serviço de tudo menos eu à serviço de outro

“ninguém nasce disposto a morrer” e penso que doido porque todos morrem “pelo brasil” risadas seguem e realmente pera aí vamos pensar em nação em identidade nacional em uma liberdade de um povo e o que é o que é por favor me digam o que é um povo

o brasil o que é o brasil

um lamento um tudo que poderia ser e nunca foi será que será?

“a razão me diz que o brasil acabou. mas ele chegou a começar?” e o que é a razão nesse sul do mundo à que ela serve me parece que porra não sei mas complicado colocar assim

A REVOLUÇÃO SÃO SEMPRE TIROS E BOMBAS

A REVOLUÇÃO SÃO SEMPRE TIROS E BOMBAS

TOCA UM ÓRGÃO DE IGREJA ENQUANTO PAREDES CAEM

A REVOLUÇÃO SÃO SEMPRE TIROS E BOMBAS

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