teatro

à uma fagulha de alguma coisa (ou qualquer lugar menos agora

crítica de “11 SELVAGENS”, de Pedro Granato.

foto de Victor Otsuka

Alertados que os lugares são marcados, chegamos à arena montada no Pequeno Ato. O próprio espaço já nos apresenta um código que estabelece, previamente, um acordo com o espectador – afinal, é teatro imersivo, não invisível – mas isso não impede que o prólogo surpreenda alguns de nós. Não são exatamente convites à participação, mas provocações lançadas a todo instante: é comigo? Devo reagir? Vou mesmo ficar impassivo? Porque é teatro, mas é a nossa vida.

11 Selvagens, com direção e dramaturgia de Pedro Granato, se estrutura em uma sucessão de situações que, antes mesmo de levadas ao limite, expõem seus próprios absurdos. O texto, assim como a encenação, prescinde de meias palavras nestas situações. É como se a realidade ficasse ainda mais tangível dentro do espaço cênico.

Espaço, aliás, que se transforma a cada cena, não apenas através da energia do jovem e equilibrado elenco, mas principalmente desenhado e redesenhado pela iluminação intrincada e potente de Gabriel Tavares. Uma dramaturgia própria é criada por esta luz, que joga a todo tempo a favor da encenação.

Já a trilha sonora, ainda que também dramaturgia de algumas cenas, acaba propondo-se em outros momentos dissonante, gerando outras camadas de compreensão e trazendo uma maior complexidade dentro de um espetáculo cuja espinha dorsal está bem ao alcance do espectador.

A comunicação é direta e reta. E isso é ao mesmo tempo um grande trunfo e uma possível armadilha. É possível que nós, no público, cada um imerso em sua própria bolha, deixe-se levar pelo pensamento de que “violentos são eles”; de que “fascistas são os outros”. Ao jogar – de forma muito hábil – com os clichês, parece que Granato e seus atores sabem desse risco. O espetáculo constrói suas situações alinhado com um discurso bem estabelecido, mas permite que certos conflitos criem fissuras nas nossas certezas.

Incorrendo em mais um clichê, é fácil afirmar que 11 Selvagens trata da impossibilidade das relações humanas, da falta de escuta, da intolerância dos tempos atuais… E, falando dessa forma, sinto-me dizendo que o espetáculo atesta o óbvio. No entanto, o óbvio, assim como o senso comum, se vê cada vez mais em disputa.

Parece que estamos todos em suspenso, à uma faísca da explosão. E é nossa a responsabilidade de lidar com isso, aceitar e compreender as diversas consequências. Uma palavra, um gesto, uma atitude do outro revela e materializa esses nossos impulsos, positiva ou negativamente.

Os 11 jovens atores em cena, com seus corpos vivos e pulsantes, nos lembram que somos todos selvagens em algum ponto, mesmo que por um instante. Há uma selvageria na liberdade e a energia produzida por ela pode ser tão criativa quanto destrutiva – e essa é a grande disputa travada no interior de cada um de nós.