o efêmero do que poderia ter sido
crítica de Todas as histórias possíveis, experimento sensorial em confinamento do Grupo Magiluth.
No horário combinado, uma ligação de Recife (PE). A pessoa do outro lado da linha não demora a convencionar a ficção. Encarar aquele momento como o toque de um despertador. Acordar em um tempo suspenso, em outro lugar que não aqui. Conhecer onde se podem construir Todas as histórias possíveis. O segundo trabalho do Grupo Magiluth concebido dentro do isolamento social é um spin-off do anterior, mas com vida própria e independente. São três histórias que podem ser contadas por seis performers (Bruno Parmera, Erivaldo Oliveira, Giordano Castro, Lucas Torres, Mário Sergio Cabral e Pedro Wagner). A direção e a dramaturgia é de Giordano Castro, e este texto parte da história por ele contada.
Aproveitemos a máquina do tempo: em maio deste 2020, já durante a pandemia, o Magiluth estreia seu primeiro experimento sensorial em confinamento: Tudo que coube numa VHS, também com direção e dramaturgia de Castro. Um performer entra em contato com um participante. Há ali uma teatralidade virtual que joga com a intimidade da ficção e a intimidade da relação estabelecida entre os dois. Ligações, mensagens de whatsapp, vídeos no instagram, músicas no spotify; entre rebobinadas e fast-forwards, a narrativa de um casal. Uma história de amor. Subitamente interrompida.
É sobre o dia 25 de abril, onde VHS suspende seu desfecho, que versam Todas as histórias possíveis. É sobre o tanto que há em um só dia; dos tantos pontos de vista e possibilidades em torno de um mesmo acontecimento. E também sobre o que não foi, mas poderia ter sido. Ao contrário do primeiro experimento, onde o participante oscila entre observador e, de certo modo, personagem, aqui o Magiluth desloca a recepção para um lugar narrativo, sem prejuízo do engajamento afetivo.
Desde o início, Todas as histórias possíveis insere o participante no terreno criativo do narrador; do campo de possíveis que é a mente, das memórias e invenções, das ficções do real. Tornando esse o espaço da ação, a direção de Castro opera de um modo curioso ao fazer de uma obra que em absoluto não é teatro, teatro. Não há a busca pela ilusão – muito pelo contrário: mensagens de whatsapp são basicamente rubricas expostas – mas por uma conexão possível para esse momento.
E não é o momento para mais mortes, como a dramaturgia afirma. Assim, dentro de todas as histórias possíveis, existem muitas, ainda que efêmeras, onde não perdemos ninguém. Castro propõe um pacto ficcional para que se possa ir e vir na narrativa: na assunção de que sim, podemos utilizar uma máquina do tempo, um divertido jogo se estabelece com o participante.
Nessa uma história possível, acompanhamos novamente as personagens de VHS no fatídico dia. Não mais o rebobinar de uma fita de videocassete; agora, a ficção ambiciona girar o mundo como o super-homem para o tempo andar para trás. Para que, mesmo que por um efêmero instante, experienciemos o que poderia ter sido.
O ato final do performer ilustra veementemente a fragilidade do virtual mesmo após a afirmação de sua potência como vir a ser. O resgate de um procedimento trágico grego dentro de nossa contemporaneidade, onde a tragédia maior está na realidade, é lembrança dos tempos que foram, dos tempos que são e, deixando também a máquina do tempo seguir na direção do futuro, dos que virão.