deixa ela falar
texto elaborado a partir dos encontros da oficina olhares: poéticas críticas e escrita criativa sobre teatro, ministrada por amilton de azevedo junto à SP Escola de Teatro. o panorama coletivo em torno da ação de escrita durante o Festival Satyrianas 2021 se desenha a partir das críticas produzidas e das colocações de todas as pessoas participantes presentes no último encontro: Clara Prado, Dan Ricca, Diego Villar Teragi, Gabriel Labaki, Liliane Pereira, Manfrin Manfrin, Milena Siqueira e Patricia Nicolini.
Satyrianas 2021: onde o tempo não para. A sensação de uma vida suspensa começa a se dissipar. Mas o tempo, ele nunca deixou de correr. Já passamos de vinte meses de pandemia, da perplexidade diante da tragédia à uma pretensa “normalidade”, entre isolamentos radicais e reaberturas graduais, idas e vindas e todas as oscilações que a vida e os tantos que se foram podem causar em nós, que aqui seguimos. Assim como muitas outras áreas, o teatro encontrou seus meios possíveis de continuar existindo.
Desde 2019, pessoas interessadas em crítica teatral se juntam em torno da programação da Satyrianas participando da oficina Olhares, oferecida pela SP Escola de Teatro e conduzida por amilton de azevedo. A primeira edição foi presencial – em uma época onde isso nem era necessário dizer. Aconteceu na Associação Cultural Acadêmicos do Baixo Augusta; todos os textos produzidos pelas nove pessoas participantes podem ser encontrados neste link.
Já em 2020, tal qual a programação do festival, a ação foi virtual. O número de críticas produzidas pelas pessoas participantes foi maior – elas podem ser lidas aqui – assim como a amplitude geográfica da produção: talvez essa descentralização possibilitada pelo online esteja entre os poucos “ganhos” do período.
Para esta edição híbrida do Satyrianas, nestes tempos ainda de cautela mas também de celebração da vida, de movimento, da difícil elaboração do luto de um país, a oficina foi mais uma vez oferecida de forma online, a fim de seguir apta a receber pessoas de outros estados do Brasil. Foram três encontros de trocas e provocações até chegar nos dias do festival.
Todas as críticas produzidas estão listadas no final deste texto. Dentre os quinze textos, uma maioria de obras transmitidas online – inclusive de artistas e coletivos de fora de São Paulo. É difícil construir um panorama em torno de uma programação tão distinta e singular como é a do Satyrianas.
O festival parece carregar em sua essência uma anarquia curatorial; o objeto de estudo é em si experimental, criando territórios diversos em espaços vizinhos, com obras radicalmente distintas ocupando uma mesma sala, um mesmo tempo; este tempo que não para é e tão e cada vez mais plural – e que bom!
A dimensão da Satyrianas traz bons problemas no que diz respeito a decidir o que assistir; e os recortes escolhidos pelas pessoas participantes da oficina Olhares também apontam para curadorias pessoais, estejam elas vinculadas à filiações afetivas, éticas, estéticas ou tudo isso junto.
Na observação dos textos produzidos, o que se pode verificar é um grande interesse em obras que dialogam com temas e recortes urgentes do contemporâneo, como questões de raça, gênero e sexualidade. São teatralidades que oscilam entre macro e micropolíticas; entre a dimensão pública e a subjetiva daquilo que nos toca, nos move e nos paralisa.
Tais mobilizações organizam-se e decantam-se em estéticas variadas que parecem trazer consigo uma inquietação fundamental: é na formalização daquilo que nos atravessa enquanto sujeitos históricos e afetivos que se pode criar territórios coletivos, pautados na afirmação da diferença enquanto possibilidade de construção do comum.
Diante do Satyrianas, as pessoas participantes tiveram pela primeira vez a tarefa da escrita crítica. O desafio de encontrar as formas de organizar em palavras suas reflexões, suas análises – e também suas sensações, suas angústias, sim, por que não? Escrever é também (se) descobrir durante a própria escrita. Talvez a maior provocação oferecida pela oficina seja o exercício da manutenção de incertezas quando fruindo uma obra que, afinal de contas, é o desconhecido; e traz consigo sempre uma ou tantas perguntas.
A prática da crítica teatral há muito tempo já não deveria mais ser vista como reservada à poucas pessoas; não há mais espaço para o autoritarismo nem para verdades absolutas nas linhas oferecidas à reflexão construída a partir de uma obra. Conforme disse uma participante (Clara Prado) durante o último encontro, às vezes a gente até passa a gostar mais de uma obra enquanto e quando escreve sobre ela; depois de deixar ela falar. O convite ao exercício da crítica é um convite à escuta: deixa ela – a obra – falar.
Confira os textos escritos a partir de obras da programação da Satyrianas 2021:
“Viver no paraíso”, por Patricia Nicolini (sobre Oración)
“Cemitério dos Vivos” e as narrativas não verbais, por Gabriel Labaki (sobre Cemitério dos Vivos, da Cia. Apocalíptica)
“Só mais uma mulher louca?”, por Liliane Pereira (sobre Helena, da Cia. Blueberry)
“Mansplaining rodoviário!” por Manfrin Manfrin (sobre O vazio no horizonte é uma rodovia que leva para lugar nenhum, do Grupo Pandora de Teatro)
“É possível lavar-te a pele?” por Manfrin Manfrin (sobre Cemitério dos Vivos, da Cia. Apocalíptica)
“Mamões maduros e corpos notícias!” por Manfrin Manfrin (sobre Sapathos Digitais, da Cia. Zzzlots)
“São Saruê” e o cordel no teatro, por Gabriel Labaki (sobre São Saruê, da Cia. Cênica Torre de Papel)
“Sapathos Digitais” e a adaptação para o online, por Gabriel Labaki (sobre Sapathos Digitais, da Cia. Zzzlots)
“Hormônios Femininos em Decomposição”, por Manfrin Manfrin (sobre A crise do discurso como substantivo masculino)
“se algo de fato existe, ele é feito de carne e sangra”, por Clara Prado (sobre Capítulo IV: A Topografia do Carneiro, do coletivo A Ovelha)
“As cores da foto do menino no poste estão desaparecendo”, por Milena Siqueira (sobre O Labirinto de Sol, de Danielle Lima)
“É possível falar de masculinidade e feminilidade sem sermos binários?”, por Manfrin Manfrin (sobre Expresso 632, da Companhia A Granel)
“Chamou SatyriTrans, mas eu podia chamar a família brasileira toda!”, por Manfrin Manfrin (sobre o show de variedades da SatyriTrans, idealizado por Márcia Dailyn)
“um diálogo no vazio”, por Clara Prado (sobre Revlon 45, de Fernanda D’Umbra)
“O que espanca e escorre de sertanejos, karatecas e restos de cachos cortados”, por Manfrin Manfrin (sobre DESMACHO, de Ju Lima)
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amilton, que deliciosos que foram esses encontros que tivemos. realmente escrita da crítica é um universo que sempre esteve próximo, mas, ao mesmo tempo, completamente distante.
muito animador ver uma pessoa tão apaixonada falando sobre seu objeto de estudo.
ansioso por próximas experiências.
sigamos!
beijos