o eterno breve vôo do instante agora
crítica de “Poema suspenso para uma cidade em queda”, da Cia. Mungunzá de Teatro
foto de Mariana Bêda
É impossível ignorar o contexto não apenas do momento histórico da cidade e do país mas também da ação política que se concretiza no estabelecimento da sede da Cia. Mungunzá e a apresentação de “Poema suspenso para uma cidade em queda” no Teatro de Contêiner, na região da Luz. O grupo divulgou que as medidas do espaço foram pensadas a partir das necessidades deste espetáculo; como um site-specific às avessas, onde a interferência concreta do humano se põe à serviço dos afetos construídos em cena.
Na conjunção entre o que se constrói e o que se é, o momento presente se torna um devir imensurável; a queda que não se concretiza concentra em si todo o vir a ser das relações que se dão num tempo que não passa. O corpo que teima em não cair, uma ausência que se amplifica pela impossibilidade do fim; a morte que não chega para encerrar ciclos e dar a chance de novos possíveis se desenrolarem.
Uma enorme estrutura de andaimes que se movem, mais do que dispositivo e procedimento cênico, é base para demonstrar e potencializar existências. Histórias que se entrecruzam, se personalizam ou se mantém anônimas; que se fecham, que se compreendem, que se sugerem e que se demonstram. É o espaço-tempo a matéria comum à todos que convivem naqueles nichos e também na nossa São Paulo e em nosso Brasil, país em queda. Quando não nos movemos, é o tempo que insiste em nos carregar por suas andanças, dentro e fora de nosso alcance e controle. Ainda que não saiamos do lugar, ele próprio se move e nos arrasta; em cena, no giro vertiginoso do cenário que torna-se quase personagem – nosso habitat, vivo e influente.
O desafio posto é viver no agora. E o agora, um instante mutável que teima em muitas vezes permanecer por mais tempo que gostaríamos, se contamina pelas ações do ontem e expectativas de amanhã; o agora, um permanente suspenso que se esgota antes de se esvair. Pais, mães, filhos, filhas, pessoas amadas: o quanto dessas nossas relações não se estabelece apenas em memórias e projeções? O quanto somos de fato em relação ao outro em nosso compartilhamento de existência?
Agora, muita gente faz muita coisa. Muita gente é a favor de muita coisa. Muita gente é contra muita coisa. Muita gente faz o que faz por amor. Muita gente, não. Antes do concreto, o que importa é o afago e o afeto. É o humano que transborda de tanto ser; é o outro cujo encontro é meu norte. Estar aqui. Estar junto. Acreditar e realizar. Saber que a suspensão do salto pode significar o instante antes do vôo. Não cair, voar.