A vez e a voz dos mortos
por Thiago Neves*
crítica da peça-filme Desfazenda: me enterrem fora desse lugar, do coletivo O Bonde, produzida no contexto da oficina olhar a cena – Laboratório de Crítica Teatral, conduzida por amilton de azevedo no mês de agosto de 2021 de forma virtual no Sesc São Caetano. sete textos das pessoas participantes da ação inauguram a série vozes.
Olá! Bora!
A peça Desfazenda – me enterrem fora desse lugar traz assuntos de pertinência urgente, como morte e escravidão de pessoas negras no Brasil. A temática é muito clara e cristalina. Sobre ela, acredito que não tenho muito a acrescentar. Só assistindo.
A execução é legal, mescla bem elementos de teatro filmado e de filme mesmo. Uma introdução e um final lindos, dignos de muitos prêmios e do orgulho da arte desse nosso Brasilzão.
Mudanças de cor de imagem e de formas de interpretar e também de cantar trazem uma riqueza à encenação. O presente é “colorido”, é o teatro filmado, o passado é a mescla, talvez daí o nome “peça-filme”, misturando teatro filmado e fotografias com cenas cinematográficas e efeitos de câmera. O começo, por exemplo, me lembra bastante o cinema. E, mais uma vez, começo e final LINDOS! O que é presente e passado? Aliás, por que este título para esta crítica? Não sei, tem que ver pra saber, aí nos falamos.
Momento das bombas!
A interpretação e a estética são arrojadas, figurinos pretos, teatro preto, criando belos elementos visuais, cenas preto e branco remetendo ao passado, muito bom, arrasaram. Há momentos, entretanto, que a interpretação segue em um mesmo registro, de modo que ouvindo constantemente o mesmo ritmo em formas de ação não muito variadas, algumas cenas do miolo da peça ficam desvalorizadas. O mesmo acontece com a temática, que, apesar de estar bem evidente e de ter um propósito nítido, muitas vezes se repete.
Há o recurso de utilizar uma história passada como uma reapresentação do que acontece hoje, criando camadas de compreensão da obra. Isso foi muito bacana, até para mostrar que a história se repete há séculos. Ainda assim há uma explicação exacerbada de elementos da peça que já estão na ação, e não precisam ser narrados ou repetidos.
Estou comentando sobre uma peça que vi só duas vezes, viu, gente? Estou mais dividindo minhas impressões e modos de olhar. Pode discordar de mim, por favor. Assista e discorde. Aceito críticas.
Ah, uma coisa muito legal! Lindo que foi assumido um jeito de falar, de agir em um ritmo falado que lembra rap, spoken word, poesia, e a sonoridade enquanto forma e volume dá conta de uma ação de maneira forte o suficiente para nos comunicar, se a gente quiser, só através dela. Isso também torna a peça mais autoral e um diferencial na direção.
Por quê? Só saberás assistindo.
* Thiago Neves é ator formado pela Escola Superior de Artes Célia Helena, onde fez Pós-Graduação em Corpo, Interpretação, Arte e Educação e atualmente cursa Pós-Graduação em Dramaturgia. Fez teatro desde os seis anos de idade na Casa do Teatro, onde mais tarde trabalhou como assistente e professor de 2012 até hoje. Como ator, fez espetáculos em São Paulo dirigidos por Rafael Masini (Quase Muda e Duas Vezes Por Semana) e Nelson Baskerville, (SENTA{sobre ser um ser humano}), além de ter feito participações como locutor e atuado em curta-metragens, entre eles Irmãos, criado em parceria com Marcela Arce durante a pandemia. Como dramaturgo, teve experiências no Festival do Minuto do Grupo Parlapatões em 2020 e no Festival EarthQuake Terremoto em 2021. Foi um dos muitos co-diretores do filme Life In a Day 2020.