Corpos vivos e suas vozes
por Lucas Allmeida*
crítica da peça-filme Desfazenda: me enterrem fora desse lugar, do coletivo O Bonde, produzida no contexto da oficina olhar a cena – Laboratório de Crítica Teatral, conduzida por amilton de azevedo no mês de agosto de 2021 de forma virtual no Sesc São Caetano. sete textos das pessoas participantes da ação inauguram a série vozes.
Sem querer se encaixar em tais formas ou termos, Desfazenda é uma peça que foi filmada para ser apresentada via internet. Pronta para assistir em qualquer tamanho de tela. Isso é um diferencial incrível.
No elenco são 4 pessoas, mas em cena parecem ser 6. A luz e a trilha são personagens importantes, que ora guiam o texto, ora parecem ser guiados – principalmente pela atriz Marina Esteves, que mostra um lindo domínio ao misturar voz, corpo, luz e música. Marina faz parecer, em seus momentos solos, que tudo flui a partir dela.
Desde o início da era do teatro online, nunca havia visto um elenco entrar em cena tão preenchido. Em menos de 10 minutos de espetáculo criei certezas na minha cabeça, e uma delas foi: é assim que atores e atrizes deveriam entrar em cena. Vivos. Com a história sendo contada por todo seu corpo. A história sendo contada a partir de um ritmo, de uma batida. Ou de duas. Música e coração.
Quando a experiência termina, dá vontade de procurar uma mega caixa de som e assistir de novo. Só para aproveitar melhor tudo o que ele proporciona.
Ailton Barros, Filipe Celestino, Jhonny Salaberg e Marina Esteves, o elenco, parecem ter plena consciência de terem duas vozes. A voz técnica de ator/atriz e a voz como discurso, utilizando seus corpos ativos para contar uma história do passado que reverbera até hoje.
História essa contada de forma contemporânea, para que todos entendam. É o tipo de obra que você olha e pensa: só poderia ter sido guiado por essa pessoa. O trabalho de Roberta Estrela D’Alva, diretora do espetáculo, vem sempre se firmando – e nunca fica na superficialidade. Imagino que seja pelo seu vínculo direto com vozes sempre atuais, como no slam, e pela vontade de falar com diversos públicos.
Caso você não conheça a Roberta, comece procurando no YouTube por entrevistas e seus poemas e, a partir daí, pesquise a história do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos. Aviso que é um caminho sem volta.
Desfazenda – me enterrem fora desse lugar ganha por nos lembrar que o teatro veio do simples, do direto. Ou seja, talvez não haja necessidade de criar tantas novas tecnologias para o online. Criar algo simples e direto pode ser muito complexo. E pode ter certeza que toda essa equipe cumpriu esta tarefa perfeitamente.
* Lucas Allmeida mora em São Paulo e entrou na arte através da música pelo projeto Guri. Anos depois, se formou em teatro pelo ETA – Estúdio de Treinamento Artístico e em Audiovisual pela FMU. Passou por diversas oficinas de grupos como Ágora, com Celso Frateschi, Satyros, Cia Mungunzá, Théâtre du Soleil, com Aline Borsari, Núcleo Bartolomeu de Depoimento, com Luaa Gabanini, e realizou workshops com o preparador de elenco Luiz Mario Vicente e com o diretor Rodrigo Portella. Recentemente começou a estudar como é escrever sobre teatro, participando de cursos com Fernando Pivotto e amilton de azevedo.