representatividade e realidade; hierarquia e utopia
crítica de “Conselho de Classe”, da Cia. dos Atores.
foto de Rodrigo de Oliveira
Conselho de Classe, da Cia. dos Atores, foi descrita por Barbara Heliodora em crítica de 2013 como “(…) o que realmente podemos chamar de bom teatro, dispensando explicações ou justificativas, só por ser bom mesmo.” – e isso vindo dela, é muita coisa.
A dispensa de explicações se dá, em parte, pelo extremo cuidado e – no melhor sentido da palavra – simplicidade da encenação. Na dramaturgia de Jô Bilac, professoras se encontram para uma reunião de conselho após um grave entrevero entre escola e alunos, que culminou no afastamento da antiga diretora. Na encenação da Cia. dos Atores, com direção de Bel Garcia e Susana Ribeiro, o cenário nos insere na quadra da escola, com armários e tapumes pixados, cadeiras quebradas e toda a precariedade já conhecida de nosso sistema público de educação.
É nesta quadra que toda a ação ocorre, sem grandes invencionices ou propostas mirabolantes; uma narrativa linear que encontra seu desenvolvimento enquanto nos apresenta as personagens e os fatos acontecidos a partir de diversas óticas. E está nesta apresentação uma interessante escolha do espetáculo: os atores, todos homens, interpretam professoras. Não estão, no entanto, caracterizados como mulheres – o que geraria um estranhamento de outra ordem e diferentes leituras.
Da maneira proposta pela peça, é possível apreender essa camada de fruição à partir da ideia da representação do outro e, ainda mais especificamente, representatividade. Uma das grandes problemáticas da dramaturgia é o fato de apenas cinco pessoas tomarem as decisões do Conselho – que já é composto por um quórum reduzido e selecionado de membros da comunidade escolar, entre docentes, pais e funcionários – que afetarão todas as ações da escola.
Ou seja, mais do que sobre as questões já muito conhecidas e exploradas da educação pública no Brasil, o espetáculo amplia a discussão para o campo político – que é, afinal de contas, inerente à educação – e as dificuldades de compreender a complexidade do todo à partir de óticas limitadas.
A esta dificuldade, que não é pequena, somam-se duas disputas – ambas mesquinhas: a primeira, por pequenos poderes dentro da hierarquia institucional; a segunda, por estar certo em sua tomada de posição na discussão. Frente a uma realidade pouco afeita a mudanças radicais, tais disputas menores acabam por desanimar ainda mais essas figuras que já não se mostram muito esperançosas com dias melhores.
Está na chegada do jovem que assumirá interinamente a direção da escola a possibilidade do novo e da transformação – confrontada rapidamente com a dura realidade das experientes e resignadas professoras. A exceção, entre elas, talvez seja a professora Mabel, chave do conflito entre alunos e a antiga diretora. Tendo se colocado ao lado dos alunos no embate contra a instituição, é dela que parecem soprar anseios de outros modos de se pensar a educação.
No entanto, conforme os acontecimentos se tornam conhecidos, coloca-se em cheque o conflito entre o discurso por trás das ações – suas intenções – e as formas escolhidas para colocá-las em prática. É como se até mesmo o discurso da utopia já houvesse sido infectado por tais disputas e ele próprio se tornasse um não-lugar dentro de uma educação pautada por relações meramente institucionais. Uma educação que acaba não fazendo mais do que reproduzir um enorme sistema cujas engrenagens seguem girando, ainda que devagar e quase parando. A representação é parte basilar deste sistema; sua crise, tão pertinente nos tempos atuais, deveria ser percebida como estruturante e não pontual.