arquipélago, destaque, teatro

contrapaisagens

crítica a partir de Arqueologias do Futuro, desdobramento do Museu dos Meninos criado por Mauricio Lima. este texto faz parte do projeto arquipélago de fomento à crítica, com apoio da Corpo Rastreado.

Na escuridão, imaginar. Na escavação, fósseis vivos. Arqueologias do Futuro, desdobramento cênico-museológico-performativo do projeto Museu dos Meninos, obra transdisciplinar e multimídia criada por Mauricio Lima, traz como matéria prima sonhos e suor. Sozinho em cena, o artista divide a direção e a dramaturgia sampleada com Fabiano Dadado de Freitas; Arqueologias do Futuro é um solo semeado pela coletividade: a autoficção se fricciona com depoimentos de menines do Complexo do Alemão, e esse museu (ao) vivo se torna um auto(tantos)retrato de corpos e suas realidades vividas e inventadas.

Os pequenos focos de uma lanterna aos poucos rompem o pacto do invisível e Lima dá a ver partes de si enquanto pergunta se o público o vê. Dos pedaços às silhuetas: a iluminação de Dadado escolhe por insistir no contraluz, ao passo que a videoarte de Caio Casagrande e o video mapping de Fagner Lourenço fazem do performer um corpo-glitch, corpo-sample. É como se ele, simultaneamente artefato e artista, curador e museu, fosse também em si a própria contrapaisagem evocada: pulsão de vida que contrasta com o genocídio da população preta e pobre favelada do Rio de Janeiro e do Brasil.



Nas rotas de fuga se evidenciam confrontos: as luzes retas, o corpo negro curva. Gingado, suingue, passinho, balanço. Esse corpo a ser imaginado por e para estes futuros impossíveis é, sem dúvidas, um corpo que dança. Um viver que se vê no suor da labuta e do baile, evocando forças ancestrais no dia a dia. 

O olhar de Lima não ignora a morte e a dor, mas se debruça e se deleita diante da criação e da poesia. Como na imagem do Homem-bola: a cura de Omolu é o brincar possível das crianças e suas palhas são a nuvem de esferas coloridas que cobrem esse homem-menino. Atotô. Não há oposição entre sagrado e profano; é o cotidiano e o ritual que transitam em movimento, palavra e imagem como quem desce pro asfalto e sobe pro morro a cada dia.

Assim, a navalha tornada o primeiro artefato, instrumento de trabalho e inscrição na pele de um menino, recortada pelo facho de luz que ainda deixa o corpo de Lima como espaço de imaginação, parece num golpe de vista até com uma imagem de Nossa Senhora sob a cúpula de vidro iluminada. Atravessamentos que não devem estar na dramaturgia, mas cada olhar pode carregar consigo seu sample e lançá-lo sobre essas Arqueologias do Futuro, já que seus fósseis são presenças em processos de desvelamento, arquivos em contínua construção.

Como na Ética Bixa de Paco Vidarte, “é preciso andar mais solta pela escavação”, já que “a origem está adiante”. Nessas contrapaisagens favelafuturistas, memórias de ontem, hoje e amanhã dão a ver na medida desejada aquilo que oscila entre invisibilização e hipervisibilidade: Arqueologias do Futuro é feito luz negra, que embaça contornos e destaca detalhes. Nos beats e sonoridades da trilha de Novíssimo Edgar e Beá Ayòóla, corpo, vídeo, iluminação e todas as camadas da encenação alinhavam recortes singulares de ordem coral. O futuro – o agora – é comunidade.

logo do projeto arquipélago

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serviço
ARQUEOLOGIAS DO FUTURO
De 10 de novembro a 3 de dezembro, sexta-feira às 21h30 e sábado e domingo às 18h30 (sessões extras dias 15 de novembro, quarta-feira às 18h30; 16 de novembro, quinta-feira às 21h30 e 20 de novembro, segunda-feira às 18h30).
Auditório do Sesc Ipiranga. Capacidade – 38 lugares
Rua Bom Pastor, 822 – Ipiranga. Telefone – (11) 3340-2000.
60 minutos | 14 anos | De R$ 12,00 a R$ 40,00.

ficha técnica

Performance – Maurício Lima. Direção – Fabiano Dadado de Freitas e Maurício Lima. Dramaturgia Sampleada – Fabiano Dadado de Freitas e Maurício Lima. Direção de Arte – Evee Ávila. Direção de Produção – Nely Coelho. Trilha Sonora – Novíssimo Edgar e Beá Ayòóla. Sonoplastia, Mixagem e Master "Artefato 3" – Vinicius Guelfi. Videoartista – Caio Casagrande. Video Mapping – Fagner Lourenço. Iluminação – Fabiano Dadado de Freitas. Colaboração Artística – Tainah Longras e Romulo Galvão. Imagens "Homem-Bola" – Diogo Nascimento. Assessoria de Imprensa – Nossa Senhora da Pauta.