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crítica a partir de PLSTC – ação cênica para adiar o fim do mundo, de Nicole D’Fiori (SP). este texto faz parte da cobertura especial da Mostra Solo Mulheres 2024, do Teatro de Contêiner, com curadoria de Tati Caltabiano; amilton de azevedo é uma das pessoas realizando o acompanhamento crítico do festival. o ruína acesa faz parte do projeto arquipélago de fomento à crítica.

“A espada que luta contra o mal morre com a lâmina cega” (Lupe de Lupe)

Depois que Ailton Krenak publicou suas Ideias para adiar o fim do mundo, muitas vezes foi questionado em torno do “como” fazê-lo; e por mais de uma vez reiterou que não tem interesse nenhum em adiar esse mundo – do Ocidente, do capital, da roubada que é a civilização como foi “oferecida” nos processos colonizadores. Ao mesmo tempo, o que ele pretende com o título do livro é apresentado de forma cristalina: “a minha provocação sobre adiar o fim do mundo é exatamente sempre poder contar mais uma história. Se pudermos fazer isso, estaremos adiando o fim”. PLSTC, de Nicole D’Fiori (criação, argumento e performance) dialoga diretamente com a premissa trazida por Krenak no subtítulo da obra: ação cênica para adiar o fim do mundo.

A síntese no nome da obra, sugerida no apagamento das vogais que formam a palavra-problema plástico, pode soar como o engasgo-angústia do tanto a ser dito ou do tanto que já se disse – ou como o lento, discreto e assustador engasgo de cada pessoa no mundo pela ingestão crescente de microplásticos. PLSTC é o engasgo do mundo. Ao menos, do nosso mundo, explorado até um ponto – que já se anuncia como de não-retorno – onde imensas revoluções são necessárias para a continuidade da nossa existência.


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É de um mundo onde se pensa a existência coletiva e ambientalmente que a obra de D’Fiori, com direção artística de Pedro das Oliveiras e dramaturgia de Rafael Presto, parece almejar querer falar. Na ideia de ação cênica, as muitas linguagens trazidas pela encenação se organizam constantemente na direção de manifestos e chamados à ação, sem que isso deixe de carregar também suas contradições e, talvez, incoerências. Nesta vitrine do colapso, materiais plásticos se acumulam e inevitavelmente nos percebemos chafurdados até o pescoço no problema. PLSTC parece trazer na própria realização a assunção de sua dimensão quando se percebe que os momentos em que atos mais radicais são sugeridos pela performer são operacionalizados por meio da representação.

Não se trata, evidentemente, de sugerir que a performer incendeie-se como o monge Thich Quang Duc, tampouco apontar que um rojão deveria mesmo ser disparado em cena. Mas é como se entre as tantas tentativas de formalização de seu discurso de denúncia, PLSTC compreendesse a necessidade de, em meio ao caos da contemporaneidade, operar na impotência: dar a ver uma ação cênica para adiar o fim do mundo é em si utopia e desejo de movimento; conscientizar, incomodar, mobilizar a partir deste contar-mais-uma-história em um teatro – ainda que seja uma história já conhecida pela maioria de nós.

Em resposta ao engasgo, um grito artístico. Na televisão, além de clipes editados por Lana Scott apresentando a realidade do colapso, curtas do ilustrador e animador inglês Steve Cutts carregam em si a totalidade da narrativa crítica que está em PLSTC. D’Fiori, ao lado de sua equipe, parece buscar na perspectiva multilinguagem um acúmulo, uma sobreposição de tentativas de dar conta da complexidade não do assunto em si, mas das formas de seu enfrentamento coletivo – de maneira mais ou menos direta e intensa, a organização ecofeminista é o que sustenta o todo da cena.

D’Fiori anuncia ao público que PLSTC se estruturará na construção de quatro manequins, espécie de cavaleiros do apocalipse autorealizável em que nossa sociedade se inseriu: lixo, plástico, consumo, obsolescência. Imagens simbólicas e discursos diretos se alternam nestes atos de composição que lançam mão de recursos teatrais, audiovisuais, musicais e performáticos. Nas canções (Felipe Chacon assina composição da trilha original e direção musical; Paloma Dantas, mixagem e criação de atmosferas sonoras), melodia e letra se confrontam na bela voz da performer; há algo ali de brechtiano, das composições do teatrólogo em parceria com Kurt Weill. Mas aqui esvazia-se a fábula, as personagens são a própria realidade retratada, como se a história que existe já desse a ver contradição suficiente.

Brecht, entre muitas frases atribuídas a ele que são infinitamente referenciadas, teria questionado – em algum momento de sua vida, entre os tantos anos assombrosos que testemunhou, narrou e buscou transformar – “que tempos são estes em que temos que defender o óbvio?”. É necessário, talvez mais do que nunca, compreender que a obviedade é um campo de disputas. Éticas, políticas, ideológicas, coletivas, individuais. Quando a própria ideia de “verdade” passa a ser comumente acompanhada do prefixo “pós”, é fundamental compreender a potência do gesto. Do grito, ainda que incerto da escuta.

logo do projeto arquipélago
ficha técnica
PLSTC - ação cênica para adiar o fim do mundo

Criação, Argumento e Performance – Nicole D’ Fiori. Direção Artística – Pedro das Oliveiras. Dramaturgia – Rafael Presto. Direção de Movimento – Cris Rocha. Criação de Atmosferas Sonoras e Mixagem da Trilha Sonora Original – Paloma Dantas. Direção Musical e Composição da Trilha Sonora Original – Felipe Chacon. Gravação Piano e Backing-Vocals – Rodrigo Zanettini. Preparação Vocal – Renato Barbosa. Concepção de Cenografia – Pedro das Oliveiras. Direção de Arte (Cenário, Figurino e Identidade Visual) – Leo Akio. Projeto Audiovisual e Clipes – Lana Scott. Animações – Steve Cutts. Desenho de Luz – Pedro das Oliveiras. Intérprete de Libras – Nara Oliveira. Direção de Produção/ Produção Executiva – Vudu Arte. Assessoria de Imprensa – Nossa Senhora da Pauta. Fotografia – Matheus José Maria. Parceiros – Eco Teatral e Cia Mungunzá de Teatro. Realização – Secretaria Municipal de Cultura - Prefeitura de São Paulo.

ficha técnica
MOSTRA SOLO MULHERES 2024

Teatro de Contêiner (idealização e produção), Tati Caltabiano (curadoria), Léo Akio (direção de arte, coordenação de comunicação e design), Pombo Correio (assessoria de imprensa), Marcos Felipe (comercial e coordenação de produção), Virginia Iglesias (produção administrativa e financeira), Gustavo Sana (produção executiva e consultoria de projetos), Paloma Dantas (coordenação técnica), Pedro Augusto (coordenação técnica), Camila Bueno (técnica), Lucas Bêda (produção executiva), Sandra Modesto (produção executiva), Sônia Cariri (produção, receptivo, camarim e bilheteria), Thamiris Cariri (lanchonete), Danee Amorim (produção e receptivo), Paula Silva (produção, receptivo e serviços gerais), Isabelle Iglesias (produção e rede social), Nara Oliveira (coordenação de libras), amilton de azevedo - ruína acesa (acompanhamento crítico), Lena - cítrica (acompanhamento crítico).