a mensagem do poeta
crítica de Negra Palavra – Solano Trindade, do Coletivo Preto e da Companhia de Teatro Íntimo.
(…)
Se os poderosos cada vez mais escravizam,
os oprimidos
lutam por liberdade
É a maior esperança
de libertação…
Nem tudo está perdido amigos
nem tudo está perdido camaradas
(…)
Nem tudo está perdido – Solano Trindade
Em julho de 1908, no Recife, nascia Solano Trindade, o poeta do povo. Considerado o grande criador da poesia assumidamente negra, traz em sua trajetória de vida e em sua obra narrativas de amor e revolução – sempre partindo da ótica da luta antirracista e das classes populares. Em 2019, o Coletivo Preto e a Companhia de Teatro Íntimo estreiam Negra Palavra – Solano Trindade no Sesc Tijuca (RJ) e o eu-lírico do poeta, um eu que se quer e se vê negro, ganha vida, corpo, som. Agora, com poucas alterações no elenco original (Jorge Oliveira passa a fazer companhia para Adriano Torres, André Américo, Breno Ferreira, Drayson Menezzes, Eudes Veloso, Leandro Cunha, Lucas Sampaio, Orlando Caldeira, Rodrigo Átila e Thiago Hypólito), os grupos adaptam sua obra para o contexto online.
As apresentações no Zoom são precedidas por registros da temporada presencial, como o precioso registro de Conceição Evaristo lendo seu poema Trago Também os Cabelos Prateados Tal Qual o Poeta, escrito para o espetáculo. Renato Farias assina o roteiro de Negra Palavra e divide a direção geral com Orlando Caldeira (que, por sua vez, é também diretor de movimento). A potência da poesia de Solano Trindade se verifica em sua transposição para a dramaturgia: Farias organiza os versos de Trindade como uma sucessão de narrativas fragmentadas – prescindindo de grandes adaptações – e, ao lado de Caldeira, conta histórias nas escolhas da encenação digital.
Ao levar uma obra criada e apresentada presencialmente para a plataforma de videoconferências, certos elementos se perdem enquanto outras possibilidades são descobertas. A fotografia e os enquadramentos surgem como novas camadas na construção de imagens que se somam às palavras de Solano Trindade.
Negra Palavra vivifica a obra do poeta nos onze corpos pretos do elenco. O domínio dos atores sobre a dramaturgia poética impressiona; todos nós temos um pouco de Solano, como afirmam em certo momento. Se por um lado estes escritos de cerca de sessenta anos atrás carregam uma atualidade triste, visto que ainda versam tão acertadamente sobre as vidas negras na atualidade, por outro há uma carga de esperança que permanece pulsante; uma celebração da mensagem nova do poeta de que o Sol voltará a nos trazer calor.
É também um chamado para que desperteis para a luta; uma ainda necessária conclamação: vidas negras importam. Nesse sentido, ao invés de olhar para o que se perde na feitura de obras com base teatral no contexto online, cabe pensar no que se ganha: a obra carioca agora carrega sua mensagem sem fronteiras. No sábado (05/09), Vitor da Trindade, neto do poeta, acompanhava a apresentação de Embu das Artes, virtualmente ao lado de espectadores em São Paulo, Mato Grosso e tantos outros lugares Brasil adentro.
Assim, as negras palavras se amplificam. Nas composições construídas dentro das possibilidades do Zoom, narradores, narrativas e personagens saltam aos olhos dos espectadores; são bocas, corpos, indivíduos, coletivos, relações que se constróem via vídeo e também no bate-papo da plataforma. Ao mesmo tempo que a direção musical e de percussão corporal de André Muato acaba limitada por questões técnicas do online, isso não impede a presença de canções e de uma trilha sonora que se consolida enquanto mais uma camada na apreensão da obra.
Os atores dançam, cantam, dizem, pulsam e reafirmam a mensagem do poeta. Jovens negros vivos. Negra Palavra evoca Solano Trindade no que se configura como homenagem e ato de resistência. Na encenação, assim como na obra do poeta, a realidade é o trampolim da criação. Versos tristes como o mundo, mas que na convocação à luta sopram vida no horizonte.
(…)
Vinde poetas, pintores,
Engenheiros, escritores,
Negociantes e médicos
Para a grande reunião
Combater o fascismo
Que mata nossa nação.
Toque de Reunir – Solano Trindade