parcimônia e desequilíbrio
crítica de “Gota D’Água [a seco]”, de Rafael Gomes com Laila Garin
foto de Lenise Pinheiro
A seco. Uma composição cenográfica ao mesmo tempo vazia e carregada, com os músicos integrados à cena, abre espaços ao mesmo tempo que os encerra. Retirando fisicamente todos os outros personagens da trama de Chico Buarque e Paulo Pontes – ainda que mantendo excertos dramatúrgicos deles – e centralizando a encenação no embate Joana-Jasão, “Gota D’água [a seco]” sintetiza o conflito na sua essência privada e ainda assim escancara seu lado político.
O jogo de oposição se derrama em diversas camadas. Está na movimentação espacial pelo cenário de André Cortez, que se torna dispositivo cênico para a dupla de atores; ambos, apropriados das possibilidades coreográficas, transitam por níveis e ambientes de forma natural. No entanto, enquanto a Joana de Laila Garin se move de forma orgânica e fluida, o Jasão de Alejandro Claveaux é ágil e forte. A força de Jasão na encenação, aliás, reside na interessante escolha por uma fisicalidade constantemente demonstrada, ainda que ingênua.
Claveaux como Jasão é um menino com vislumbres quase infantis de moço, apoiado numa representação frágil que muitas vezes não convence. Garin, ao contrário, é uma mulher que sabe que não é mais moça, repleta de uma potência tanto dramática quanto narrativa, vivendo, contando e cantando a história e o discurso de Joana.
É como se nem houvesse campo para uma disputa entre as personagens pela empatia do público. O discurso que Joana representa, seja dentro do âmbito pessoal ou da tragédia social, é fortalecido ainda mais por esse desnível nas escolhas de interpretação dos atores.
Isso não faz, no entanto, que seja um espetáculo de tese e muito menos que se torne tedioso. O foco é todo de Joana, e a interpretação de Garin nos carrega pela trajetória desta mulher, assim como a seleção das músicas – Rafael Gomes, que assina a adaptação e a direção, inseriu diversas outras canções além das presentes na peça original.
A iluminação de Wagner Antônio é outro ponto alto da encenação: o encontro dela com a cena resulta em imagens extremamente belas, além de recortes precisos e o apontamento de atmosferas. Tais imagens, principalmente na parte final do espetáculo, contrastam o amor e o ódio de Joana e Jasão; a leveza e o impacto de suas ações.