das vidas d’águas
crítica a partir de Chuva de Piaba, de Priscila Magella (Pirapora/MG). este texto faz parte da cobertura especial da Mostra Solo Mulheres 2024, do Teatro de Contêiner, com curadoria de Tati Caltabiano; amilton de azevedo é uma das pessoas realizando o acompanhamento crítico do festival. o ruína acesa faz parte do projeto arquipélago de fomento à crítica.
Um pequeno barco repousa sobre um leito seco, pedregoso. Na proa, uma carranca; dentro dele, uma figura esconde o rosto com um largo chapéu de palha. Do outro lado do espaço cênico do Teatro de Contêiner, uma musicista sentada, rodeada de instrumentos artesanais de toda sorte. No fundo, a projeção de águas barrentas mantém seu fluxo durante Chuva de Piaba; tanto pode se ver na corredeira constante do vídeo ao longo da encenação para além do movimento incessante do rio. A água ganha formas a povoar a imaginação do público mais atento.
Priscila Magella nasceu e cresceu em Pirapora (MG), cidade ribeirinha, localizada no ponto onde o Velho Chico se torna navegável. Navegar, habitar um rio: a artista, que diz ter aprendido a cantar com a voz do rio, celebra sua origem, história e cultura ao contar uma história de águas em Chuva de Piaba. Assinando como timoneira (direção), também a escrivinhança (dramaturgia), e atuando, Magella faz da narratividade o centro de sua encenação para falar de uma menina que se apaixona pelo São Francisco, rio-mar, Opará.
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Na narrativa fantástica, onde o mítico e o cotidiano coexistem sem nenhum conflito, essa menina cresce-corre com o rio em seus fluxos, barragens e redemoinhos. Chuva de Piaba é também um libelo à liberdade do amor, ainda que traga consigo um caráter admonitório no que diz respeito à lida, ao medo e ao respeito que se deve ter para com as águas e seus seres.
Magella está em cena acompanhada de Anabel Andrés que, com sons d’água, folhas secas, sopros e percussões, faz os barui de beira ri – desenha as paisagens sonoras que contam junto da vida nas barrancas do Velho Chico. A atriz-narradora conversa com a musicista, com o público, com a luz; também com a cabeça de proa e até mesmo com o barco. A atmosfera construída por Chuva de Piaba é daquela que reconhece e é preenchida pela vida de tudo que existe.
Como na célebre fala de Nêgo Bispo, Magella conta de avós e netas como quem diz de começos, meios e começos. Quem se vai permanece e mesmo na dureza da realidade se encontra algum tipo de beleza – uma boca sem dentes é um “sorriso vazio” e então no encontro das palavras descrições tornam-se imagens prenhes de sentidos. A dramaturgia de Chuva de Piaba, navegando junto com a síntese dos elementos da encenação, é toda ela feita da poesia que habita a sabedoria barranqueira.
Ao final da apresentação na Mostra Solo Mulheres 2024, Magella diz ao público presente que a obra “é simples” porque é assim que se faz de onde ela veio. Chuva de Piaba se formaliza enquanto respeito à tradição e compreensão de que há potência nas coisas que são o que são, tanto quanto há magia, maravilhamento e mistério por entre as águas de um rio que, em seu correr, é fonte de vida.
desaguar do Velho Chico (ficha técnica)
Chuva de Piaba
Escrivinhança: Priscila Magella (Dramaturgia)
Ajeitamento das linha torta: Rogério Toscano e Carmina Juarez (orientação dramatúrgica)
Timoneira: Priscila Magella (Direção)
Combustíveis de apito de Vapor: Carmina Juarez e Gisele Calazans (Co direção)
Fluxo d'Água de dentro: Gisele Calazans (direção de movimento)
Barui de beira Ri: Anabel Andrés (sonoplastia)
Resumidor de enredo: Diego Roberto (sinopse)
Mostrador e criador de imaginação: Caio Esgario e Vinícius Oliveira (Projeção)
Arquitetura de quintal: Zito e Nilton (Cenografia)
Posicionamento dos astros no céu e ajeitamento dos trem: Mário e Denilson (Luz)
Encantador de desenho e canoa: Davi Nascimento de Jesus (Aquarelas e Barco)
Contadora de causo de Urubu: Leninha do Salão
Calmaria de Voz: Milla Tomaz (Avó)
Vestimenta bonita: Silvana Carvalho (Figurinista)
ficha técnica
MOSTRA SOLO MULHERES 2024
Teatro de Contêiner (idealização e produção), Tati Caltabiano (curadoria), Léo Akio (direção de arte, coordenação de comunicação e design), Pombo Correio (assessoria de imprensa), Marcos Felipe (comercial e coordenação de produção), Virginia Iglesias (produção administrativa e financeira), Gustavo Sana (produção executiva e consultoria de projetos), Paloma Dantas (coordenação técnica), Pedro Augusto (coordenação técnica), Camila Bueno (técnica), Lucas Bêda (produção executiva), Sandra Modesto (produção executiva), Sônia Cariri (produção, receptivo, camarim e bilheteria), Thamiris Cariri (lanchonete), Danee Amorim (produção e receptivo), Paula Silva (produção, receptivo e serviços gerais), Isabelle Iglesias (produção e rede social), Nara Oliveira (coordenação de libras), amilton de azevedo - ruína acesa (acompanhamento crítico), Lena - cítrica (acompanhamento crítico).