teatro

cenas de guerra (o hospício de nós mesmos)

crítica de “A lua vem da Ásia”, do Grupo Carambolas, com direção de Marco Antonio Rodrigues

A partir do romance homônimo de Campos de Carvalho, “A Lua Vem da Ásia” marca a estreia profissional do Grupo Carambolas, formado por egressos da Escola Superior de Artes Célia Helena – onde, dentro do processo da disciplina Poéticas da Atuação, a montagem foi inicialmente concebida. Com a direção do experiente Marco Antônio Rodrigues, os jovens atores levam a cena o surrealismo presente no romance, transpondo a narração em primeira pessoa do livro para um coletivo numeroso, mas sem perder de vista a unidade do discurso.

O resultado é uma encenação de ritmo forte, com situações aparentemente desconexas se desencadeando em uma sucessão de cenas onde a dramaturgia, adaptada pelo próprio elenco, por vezes se torna confusa e até de certo modo incompreensível. Porém, a proposta de linguagem do espetáculo – além da complexidade do texto em si – faz com que algo que poderia incorrer em uma fragilidade esteja protegida pela própria dificuldade do “protagonista” se compreender enquanto uno.

Assim, a dramaturgia recortada entrega ao público a problemática da não-compreensão como uma construção fragmentada dentro da ideia da multiplicidade do ser; que não apenas percorre lembranças inventadas como as recria a todo instante. Dessa forma, deslocando frequentemente o discurso em primeira pessoa em atmosferas surreais e de certo modo obscuras, cabe ao público a busca pelo (não-)entendimento desta multiplicidade subjetiva que acaba sempre se relacionando com seu entorno – ainda que inventado, ainda que incerto.

Ambientado em um local apresentado como um hotel, esse não-lugar transita entre espaços reais e simbólicos; de manicômios à interioridade, tais figuras apresentam-se como hóspedes do onírico do real. No processo da descoberta de si, em suas relações se tornam artífices de questões sociais; a inadequação é, talvez, o tema central.

Talvez pois em uma obra tão multifacetada é incerto precisar com absoluta certeza de que se trata: há uma infinidade de campos de possíveis à serem apreendidos pelo público, e dificilmente alguma interpretação seria equivocada. “A Lua Vem da Ásia” mantém sua comunicabilidade mesmo em um campo de linguagem por vezes difícil de lidar sem resultar em uma obra hermética; a escolha pelo tom de humor é precisa e colabora muito. Há sugestões de relações a serem feitas com nosso entorno a todo instante, ao mesmo tempo em que não é impossível se distanciar e localizar os acontecimentos como pertencentes apenas do campo da subjetividade.

Quando o espetáculo se inicia e é contado ao público que esta pessoa matou seu professor de lógica, somos todos convidados a fazer o mesmo. Parece inviável, nos tempos que correm, nos atermos a algo tão óbvio como a lógica cartesiana. Para entender nosso entorno e a nós mesmos, precisamos de um mergulho em algo mais substancioso e, por que não, surreal – como é o nosso próprio ser-estar no mundo.