teatro

do hipismo domado ao coice anárquico (ou se pinta com pluma o que talvez fosse tecido no cavalgar do casco)

crítica de “Cavalos”, da Cia. Zero8 de Teatro

foto de Lenise Pinheiro

A figura de um(a) artista diferente convidado(a) em cada dia de apresentação na temporada adiciona um elemento performativo à encenação de Cavalos, espetáculo da Cia. Zero8 de Teatro com dramaturgia e direção de Lucienne Guedes. Tal convidada ou convidado, ainda que inserido no roteiro da peça, tem certa liberdade para propor alterações e repetições de cenas – além de, claro, se integrar ao jogo cênico proposto ao vestir a máscara que desejar.

Na estrutura fabular, as atrizes e o ator – são dez mulheres e apenas um homem – estão passando por um teste para uma montagem de “Hair”; a pessoa convidada é a diretora ou diretor desta audição. É a partir desta relação hierárquica que se desenvolvem uma série de cenas, que tem também como inspiração o livro “Eles eram muitos cavalos”, de Luiz Ruffato.

As escolhas dessas duas bases dramatúrgicas – o espetáculo musical e o livro – se relacionam de forma mais política do que estética. Como se o Vietnam desta geração fosse a guerra do cotidiano, a massificação dos moradores da cidade de São Paulo; todos nós, cavalos cada vez mais domados, tolhidos, oprimidos.

Da mesma forma, a condução do espetáculo também não se prende à uma só estética, permitindo aos atores apresentarem cenas nesta audição das mais diversas linguagens e propostas. Vemos, então, um caleidoscópio de possíveis e até certa confusão no que está por trás de cada desejo de falar, de encenar, de mostrar. A relação hierárquica com a diretora ou diretor torna-se um impeditivo para aquelas atrizes e ator; na necessidade de sobreviver da arte em um país onde “o termo ‘capitalismo selvagem’ não é uma metáfora”, a possibilidade de combater o próprio sistema acaba sendo anulada.

Assim, a sequência de cenas apresentadas pelos candidatos aos papeis não encontra unidade também na condução da crítica durante a narrativa; voltando à citação e a escolha de “Hair”, é possível questionar: quais as bandeiras que essas pessoas levantam – ainda que limitadas pela figura da diretora ou diretor ali presente e o que ela significa – em seu trabalho? Quais os sonhos? Há convicção naquilo que faço ou já me submeti a concessões demais para mantê-la?

Tais perguntas, no entanto, parecem ser respondidas a partir da desistência da diretora ou diretor em realizar tal seleção e sua subsequente saída do espaço, quando as visões de mundo destes jovens se explicitam numa apoteose anárquica. Ainda que a escolha por esse embate se dar na ausência do outro, do antagonista, seja questionável, compreende-se a necessidade do reconhecimento do lugar que habitamos e ocupamos no mundo para a partir disso esvaziar completamente os possíveis e assim abrir espaço para a explosão caótica do novo.